sábado, 15 de dezembro de 2018

O realejo estridente


O realejo estridente

Péricles Capanema

Faz anos que das ruas anda quase sumido o realejo, por isso é mais seguro ▬ atenção, jovens! ▬ rápido lembrete. Observado por alguns, o tocador gira a manivela e o ambiente em volta se recreia do som de poucas e repetidas músicas. No Velho Mundo tem mais prestígio a representação; compõe, peça valiosa, paisagens urbanas da cultura popular. O “orgue de Barbarie” faz parte da cena pitoresca do Paris sonhado por multidões (lá, sem o irrequieto papagaio tirador da sorte). Uma das explicações para a origem da expressão “órgão de Barbárie” seria a sonoridade tosca do realejo que lembraria, entretanto, os grandes órgãos das catedrais. Entre nós, o realejo e o papagaio por gerações encantaram crianças e seduziram adultos.

Viro a página. Na linguagem comum, realejo tem emprego pejorativo, bastante usado: a repetição monótona de um mesmo tema: “Aquele sujeito é um realejo”.

Entre realejo e avestruz, fico com o primeiro. Diz a lenda (é lenda mesmo), o avestruz enfia a cabeça na areia quando pressente o perigo. À vera, a ave encosta o pescoço e a cabeça no chão, escuta melhor algum predador e fica menos exposta. Contudo, o uso consagrou a frase, diante do perigo, o avestruz enfia a cabeça no chão.

De novo, escolho ser tocador de realejo a fechar os olhos diante do felino que avança contra o avestruz (no caso, todos nós). Vou apenas sublinhar e, quem sabe, ampliar coisas que já disse. “Ideia dita uma só vez, morre inédita”, avisava Nelson Rodrigues.

São duas matérias dos últimos dias. Em 15 de dezembro, Taís Hirata na “Folha de São Paulo” descreveu novas possibilidades de aplicação de capitais chineses no Brasil em minucioso artigo intitulado “Após investir em energia, chineses miram saneamento básico no Brasil”.

De outro modo, segundo o texto, chineses, melhorando grupos chineses, vão comprar empresas estatais do setor de fornecimento de água e coleta de esgoto (aqui, também, o tratamento de resíduos). Ou comprar obras paralisadas, terminá-las e explorar comercialmente os serviços.

Um dos grupos chineses interessados é o Fosun, gigantesco conglomerado econômico. Segundo informações coletadas na rede (minha maior fonte), tem maioria de capital privado. Um dos proprietários, Guo Guangchang, às vezes chamado de Warren Buffett chinês, faz parte do Conselho Político Consultivo do Povo Chinês, uma espécie de Senado dominado pelo Partido Comunista Chinês. De outro modo, é empresa próxima do governo. Preocupa. A matéria da Folha nada traz da proximidade do grupo com a tirania imperialista de Pequim.

Três outros grupos chineses, informa Taís Hirata, têm interesse em comprar empresas ligadas ao saneamento básico. O primeiro deles é o CCCC (China Communications Construction Company), sociedade anônima, com faturamento anual de aproximadamente 70 bilhões de dólares. É estatal chinesa; de outro modo, está em sintonia com as diretrizes do Partido Comunista Chinês (PCC). Nenhum diretor é indicado sem a anuência do partido. O segundo grupo é o Datang, outra estatal chinesa, com faturamento anual em torno 30 bilhões de dólares. O terceiro grupo é o CGGC (China Gezhouba Group Company Limited), também empresa estatal, com receitas anuais em torno de 15 bilhões de dólares. O artigo nada diz que dos quatro grupos, três pertencem ao governo chinês, de outro modo, agem em sintonia com as diretrizes políticas do Partido Comunista Chinês. Desde há anos, esse é o padrão usual da imprensa brasileira, esconde informações essenciais para o juízo equilibrado e objetivo do leitor.

Deixo para trás as informações do artigo de Tais Hirada, planos para o futuro, e me detenho em editorial do Estadão, 9 de dezembro, intitulado “O peso da China”, análise do presente. Nos primeiros onze meses de 2018, o Brasil acumulou superávit comercial de 51,7 bilhões de dólares. Desse total, 26,2 bilhões de dólares vieram do comércio com a China, 50,7%. Em 2017, 30,7% do saldo comercial vieram das trocas com a China. Dos 220 bilhões exportados nos onze primeiros meses de 2018, 58,8 bilhões foram para a China, 28,8% do total. Constata o editorial: “Só esses números bastariam para mostrar a crescente influência da China sobre a economia brasileira”. A situação é mais preta: “Há outro aspecto que resulta em laços econômicas mais fortes. É a presença cada vez maior do capital chinês nos investimentos estrangeiros.” Capital chinês (sic!). Desde 2003 até hoje, segundo a Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN) do Ministério do Planejamento em 269 projetos houve investimentos chineses anunciados e confirmados de 124 bilhões de dólares. Desse total, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China, 87% foram de origem estatal, 13% de origem privada. Vou, de novo, escrever o que ninguém ou quase ninguém põe no papel com clareza: esses 87% é dinheiro de empresas estatais chinesas, que trabalharão pelos objetivos do PCC, e cujos diretores se alinham sempre com a estratégia do partido. Os 13% restantes, via de regra, são de empresas que acertam o passo com o governo chinês. Não custa lembrar, de momento, a China luta com os Estados Unidos por áreas de influência, situação que está se refletindo em disputas comerciais e, na América Latina, apoia ativamente Cuba, Venezuela e Bolívia.

A própria linguagem eufemística da imprensa (investimento chinês, grupos chineses, capitais da China), que atenua a realidade bruta (dinheiro cujo dono é o governo chinês, longa manus do PCC), é triste indicio que o Brasil já experimenta incipientes reações de protetorado. A esquerda não dá um chiadinho contra a avalancha das estatais chinesas na economia brasileira; ela, agora, silenciosa, mas historicamente tão barulhenta nas diatribes contra o capital estrangeiro. Não adianta fechar os olhos para a realidade. Ela é o realejo estridente, óbvio ululante.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Lições inesperadas da China


Lições inesperadas da China

Péricles Capanema

Bret Stephens, reputado colunista, em 29 de novembro escreveu no New York Times, a China declinará rapidamente, como aconteceu com o Brasil. O jornalista lembrou, em 2009 o The Economist previu um novo poder global, o Brasil, que logo estaria na quinta posição econômica do mundo, ultrapassando Reino Unido e França. E São Paulo seria a quinta cidade mais rica do mundo. Foram palavras vazias do semanário inglês; hoje o Brasil patina para sair do que talvez seja a pior recessão de sua história.

Vai suceder parecido com a China, avisa Stephens. E faz uma boutade, tendo como pano de fundo o conhecido adágio “Quos vult Jupiter perdere, prius dementat” (Júpiter, a quem quer perder, antes enlouquece). Na versão de Stephens: “Os deuses, quando querem destruir um país, enaltecem-no antes como país do futuro”. Recorda, foi assim com União Soviética nas décadas de 50 e 60, Japão nos anos 70 e 80, União Europeia nos anos 90 e na primeira década do século 21.

Bret Stephens alinha razões para o declínio chinês. A primeira delas, a liberalização econômica é insuficiente, o controle estatal é enorme. Isso nunca dá certo. Segunda, realidade largamente oculta, existem milhões de trabalhadores forçados (escravos, em outra linguagem). O articulista recorda como sintoma gritante mensagem desesperada encontrada em bolsa vendida pela Walmart, confeccionada numa prisão de Yingsham no sul da China: ali os detentos padecem 14 horas diárias de trabalho, entremeadas de surras. Depois de afirmar que tiranias não favorecem o progresso econômico (lembra que em 2020 o controle estatal chinês será minucioso), o jornalista norte-americano empilha outros dados que fundamentam sua previsão de declínio chinês.

Em 2014, estimativa do grupo suíço UBS, fuga de capitais de 324 bilhões de dólares. 2015, 676 bilhões. 2016, 725 bilhões. O que é isso? Medo do futuro. Mais, a dívida pública e privada é gigantesca: 34 trilhões de dólares. Outros sintomas: 46% dos chineses ricos querem emigrar, a maioria para os Estados Unidos. Mais uma vez, insegurança quanto ao futuro. Finalmente, põe em dúvida a credibilidade de estatísticas chinesas, ningué conhece ao certo o que acontece lá. Termina prognosticando, a China é tigre ferido. E poucas vezes um tigre ferido é plácido.

O ataque ao modelo chinês veio de jornalista Prêmio Pulitzer (2013), antes colunista do Wall Street Journal, agora no New York Times. O governo chinês julgou necessária resposta contundente. Escalou para o contra-ataque Ding Gang, articulista do Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista chinês, o que ele fez, publicando crítica ácida no Global Times.

Interessam-nos especialmente as razões da diferença entre o Brasil e a China, destacadas pelo chinês. Fala de cátedra: “Trabalhei na Europa, Estados Unidos, Ásia e América do Sul por quase vinte anos. Morei no Brasil por três anos e sei bem por que a economia brasileira se enfraqueceu”.

Segundo o virtual porta-voz do PCC, a razão principal é o sistema de crenças diferente dos dois países. Ao explicar, esmiuçar os motivos, falará em cultura e tradição. De modo diverso, costumes baseados em princípios. Nada mais tradicional enquanto análise, passa longe do marxismo, mas foi a única justificação plausível encontrada por ele para fazer frente ao bombardeio de Stephens.

Afirma o membro do PCC: “Talvez os brasileiros e o autor [Stephens] acreditem no mesmo deus [em minúscula no texto], mas este não é, de forma alguma, aquele deus em quem os chineses creem. O deus mencionado por Stephens não é funcional para a China, nem existe no sistema de crenças do povo chinês”.

Entra na análise: “Por que o Brasil nunca teve um sistema manufatureiro forte e sofisticado? Mais, por que decaiu e caminha no rumo oposto?”.  Isto é, aos poucos deixa de ser país industrializado e volta a ser fornecedor de matéria-prima. Responde: “Não é questão de economia ou de instituições, é de cultura”.

Trombeteia: “Os brasileiros não são aplicados nem trabalham duro como os chineses. E nem poupam para a geração seguinte, como os chineses. Apesar disso, querem para si os mesmos benefícios sociais existentes em países desenvolvidos”.

Melhorando, a educação chinesa tradicional forma pais preocupados com o futuro dos filhos, gerações habituadas ao trabalho, que não se agarram ao Estado. A educação brasileira moldaria pessoas preguiçosas, que almejam viver de benesses estatais, torna os pais irresponsáveis.

Ding Dang então alardeia: “A cultura dominante no Brasil faz o país inadequado para a economia manufatureira. Sem industrialização, é impossível o desenvolvimento sustentável. Por isso, o Brasil depende de matérias-primas e commodities”. E pontifica sobre o motivo principal para a pobreza do Brasil: “é a tradição cultural do país”. Para ele, Bret Stephens esqueceu dois pontos em seu olhar sobre a China: cultura e tradição. E são os aspectos principais no raciocínio econômico. O desenvolvimento chinês tem como base a tradição cultural chinesa e estimulará o desenvolvimento das potencialidades do país.

Para que o país se industrialize, resume Ding Gang, a cultura é o fator mais importante. “Isto inclui como o povo considera o trabalho, a situação da família, a educação das crianças e a acumulação da riqueza”. Família, educação infantil, formação de patrimônio. O que trará, com o tempo, garante ele ainda “felicidade familiar e pessoal”. De passagem, reconhece o óbvio, mas não se importa: “Pode parecer racista diferenciar tipos de desenvolvimento com base na cultura”.

Vida morigerada, hábitos de poupança, responsabilidade familiar, educação infantil séria. Em suma, sanidade da família, cadinho da cultura nacional, o grande fator de progresso de um povo. Para Ding Gang, a China não fracassará porque a tem. E o Brasil já fracassou, porque não a tem ou tem pouco. Se Ding Gng atormentasse o leitor com embaralhados argumentos marxistas, todo mundo ia achar que era apenas mais uma saraivada de disparates. Fundamentou sua defesa em terreno diverso, o que é muito revelador. De passagem, se um conservador brasileiro escrevesse sobre o mesmo assunto um décimo do que o comunista chinês apregoou, receberia pedradas de todos os lados. Como é comunista chinês quem escreveu, garanto já de saída, todos vão se calar.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O chinês mais rico do mundo



Péricles Capanema

Jack Ma é o chinês mais rico do mundo afirmam notícias de há pouco; asseveram, depois de 2014, pela primeira vez, ele voltou a estar no topo. De qualquer forma, há anos figura sempre entre os cinco chineses mais ricos. Sabemos, é instável a posição em tais listas, sobe e desce ao sabor das cotações nas bolsas. Na tabela da Forbes para 2018 que consultei na rede, Jack Ma aparece como o segundo, 20º na classificação mundial, com patrimônio de 39 bilhões de dólares.

Posso considerar para efeitos deste artigo Jack Ma como o chinês mais rico da Terra. Grande símbolo midiático, ninguém mais que ele representa o capitalismo chinês, do qual é apresentado como o mais fulgurante ícone. Nasceu em 1964, muito menino presenciou a Revolução Cultural na China que foi de 1966 a 1976.

A fortuna de Jack Ma tem como base o site de e-comércio Alibaba, fundado pelo magnata em 1999, num quarto do apartamento em que morava. Hoje, sociedade anônima, da qual possui 9% das ações, o Alibaba tem 250 milhões de compradores ativos e é responsável por 60% do volume das entregas na China. Em setembro de 2018 Jack Ma anunciou que irá se retirar do dia-a-dia das operações de seu império econômico para se dedicar à filantropia. Abandona o proscênio principal, ponto final na carreira de executivo.

Vou virar a página. Dois meses depois do anúncio de Jack Ma, em 27 de novembro, o diário oficial do Partido Comunista Chinês (O Diário do Povo) anunciou que Jack Ma é membro do Partido Comunista Chinês (PCC), desmentindo alegações que circulavam de que o tycoon seria mero homem de negócios.

Por que o jornal do PCC de forma repentina e inesperada revelou o fato? As especulações variam, das principais falarei abaixo. A relação de 100 pessoas que ajudaram o processo de reformas e abertura promovido pelo PCC publicada pelo O Diário do Povo incluiu ainda Pony Ma (no rol da Forbes, acima mencionado, aparecia como o chinês mais rico do mundo e estava em 17º lugar entre os bilionários mundiais) e Robin Li, também bilionário chinês, mas a publicação comunista não declara serem ambos membros do PCC (dá a entender, claro). A reportagem do Diário do Povo afirma que Jack Ma ajudou os objetivos do comunismo de muitas maneiras dentro da China, bem como em países da Ásia e da Europa.

Qual o motivo da revelação aparentemente extemporânea? A maior parte dos analistas de assuntos chineses propende a achar que a matéria do Diário do Povo, aviso aos navegantes, faz parte de nova política do governo chinês que procura exercer maior controle sobre o setor privado. Recentemente o PCC determinou, toda empresa privada que tenha como empregados pelo menos três membros do PCC, com eles deve constituir uma célula (célula partidária) no seu interior. Se não tiver os três membros, devem os comunistas das empresas próximas se juntar até atingir o mínimo de três. E aí constituir a célula de fiscalização. A finalidade é “guiar e supervisionar a empresa para que cumpra estritamente todos os regulamentos e leis nacionais”. Setenta e cinco por cento das empresas privadas já estão aplicando a mencionada diretriz.

O PCC tem 89 milhões de membros num país de 1,4 bilhão de habitantes. Não custa lembrar, a situação da China assemelha-se em raiz à política posta em vigor por Lenine em 1921 (a Nova Política Econômica) que vigorou até 1928, quando Stalin a suprimiu. Comportava apoio ao capital estrangeiro, suspensão das desapropriações, estímulo à propriedade privada, práticas de mercado livre, formação de uma tecnocracia que dirigiria a economia. Os comunistas chineses não inventaram a roda.

Convém recordar seu mais importante documento, publicado recentemente, a constituição do PCC, em que expõe princípios e programa, aprovada em 24 de outubro de 2017 em congresso nacional. Trago abaixo pequenos extratos (em verdade, leninismo, o documento completo pode ser consultado com facilidade na rede). Reitero, é o que existe de mais moderno sobre o comunismo chinês: “O Partido Comunista da China é a vanguarda da classe operária chinesa, do povo chinês e da nação chinesa. O mais alto ideal do Partido e seu objetivo final é a realização do comunismo. O Partido Comunista Chinês utiliza o marxismo-leninismo, o pensamento de Mao Tsé Tung [...] como guias para a ação. O marxismo-leninismo revela as leis que governam o desenvolvimento da história. O pensamento de Mao Tsé tung é a aplicação e desenvolvimento do marxismo-leninismo na China. Sob o pensamento de Mao Tsé Tung, o Partido Comunista Chinês dirigiu o povo chinês, fundou a República Popular da China, uma ditadura democrática do povo”.

Ao longo de 28 páginas, expõe princípios, a estratégia gradualista, as condições para ser membro do PCC. É documento minucioso, explicativo, ninguém vai poder alegar, o PCC não mostrou a que vinha e não avisou. Está tudo lá, princípios e estratégia, em letra de forma. Como Adolfo Hitler colocou tudo em letra de forma no “Mein Kampf”. E depois aplicou à Alemanha o que havia escrito no livro.

Outro nome para meu texto, talvez até mais apropriado, embora menos chamativo, seria circunspecção, olhar com atenção em torno de si. A cada dia, recebemos da realidade advertências novas, fatos inesperados que nos esbofeteiam como socos de Cassius Clay. Alguém imaginava que o chinês mais rico do mundo era comunista, seguia disciplinadamente a orientação da cúpula do PCC? Para todos os ingênuos e apressados, era tão-somente o modelo acabado do tycoon capitalista.

Não estou obcecado, procuro o contrário, que todos vejam (recordo outra etimologia, obcaecare, tornar cego, ob, à frente; ao fugir obstinadamente da realidade, muita gente se torna cega). Nem sou catastrofista. Estou agindo no rumo contrário, buscando evitar a catástrofe, e aí apontando a pirambeira no caminho. E nem vou repetir razões já por mim expressas vezes sem conta.

Acho que deve haver comércio com a China, é sensato aproveitar oportunidades comerciais, temos que considerar sempre necessidades e conveniências da economia brasileira, mas é imperioso, para mantermos de fato a soberania e possibilidades de futuro digno para filhos e netos que saiamos gradualmente da armadilha ▬ dependência excessiva e suicida da economia chinesa ▬, fruto sobretudo da política entreguista do período lulopetista. Como? Em especial, martelo, fortalecendo laços econômicos com Estados Unidos, Japão e Europa. Sem o apoio dos Estados Unidos, muito dificilmente escaparemos da enrascada na qual nos metemos por dessiso, irreflexão e leviandade.

De novo, só reclamo circunspecção, olho aberto para o que acontece em torno de nós. A desatenção é autodestruidora, irá certamente nos atirar na condição vergonhosa, talvez não confessada, de protetorado chinês.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O INCRA precisa mudar de nome


O INCRA precisa mudar de nome

Péricles Capanema

Do novo governo só reclamo que cumpra as promessas consoantes ao bem comum. Solicito, contudo, uma providência simples para o bem do Brasil. Mais que pedido, é sugestão enraizada na força das coisas simbólicas.

O INCRA precisa mudar de nome. Seria medida de enorme simbolismo. Tantas vezes o impacto de providência de tal tipo vale mais que fatos de outra natureza, muda o clima, determina rumos. Seria fato prenunciativo, sugeriria intenções de construção e progresso. O INCRA é retrocesso macabro.

O MST, companheiro, parceiro e cúmplice do INCRA por anos sem fim, conheceu bem o poder dos símbolos. Fazia questão que as autoridades enfiassem na cabeça o boné vermelho dos bandoleiros e agitadores do campo brasileiro, cuja ação tantas vezes foi qualificada, com pertinência, de terrorista. Até mesmo e repetidamente por Jair Bolsonaro. Recentemente, advertiu o presidente eleito: “Quando você vê o pessoal do MST invadindo propriedades, depredando, matando animais, tocando fogo em prédio, você fica indignado com isso. Temos que ter uma relação bastante dura, para que esses que vivem fora de lei sejam enquadrados. Muitas vezes os proprietários entram com ação judicial de reintegração de posse, ganham na Justiça, mas os governadores não cumprem a ordem por questões ideológicas. Toda ação do MST e do MTST devem ser tipificadas como terrorismo. A propriedade privada é sagrada”.

Por trás, não foi raro, essas ações eram combinadas nos escritórios do INCRA, com participação de gente do INCRA. Hoje se cala isso. Mas é fácil verificar, é só perguntar aos agredidos Brasil afora como as coisas aconteciam.

Aliás, tenho boa companhia em minha proposta de mudar o nome do INCRA. O deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), médico ortopedista, ministro indicado para o ministério da Saúde do próximo governo, tem grandes planos para a pasta. Qual é a primeira medida proposta por ele? Simbólica. Quer mudar o nome do Mais Médicos para Mais Saúde. Com isso, expulsa do programa a fedentina castropetista. Ótima profilaxia, desinfeta. Declarou o dr. Luiz Henrique: “Era um dos riscos de se fazer um convênio e terceirizar uma mão de obra tão essencial. Me pareceu muito mais um convênio entre Cuba e o PT e não entre Cuba e o Brasil. Era um risco para o qual a gente já alertava de início. Improvisações costumam terminar mal. Não deveria ter esse nome. Deveria se chamar Mais Saúde”.

Proponho o mesmo com o INCRA. Mudem o nome, INCRA fede. Vamos desinfetar. Perguntem a qualquer produtor rural, desde os muito pequenos até os grandes, que já tiveram contato próximo com as traficâncias do órgão, e a resposta será sempre nessa linha: “Catinguento, por mim podiam fechar essa porcaria”.

Vou apenas transcrever agora a opinião de Xico Graziano, especialista reputado, ex-presidente do INCRA: “Devastador. Assim classifico o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os assentamentos de reforma agrária no Brasil. Foram identificados 479 mil beneficiários irregulares. Escandaloso. Esbórnia agrária. Foi nesses termos que a Folha de S. Paulo tratou o assunto em editorial (edição de 08/04/2016), afirmando que tamanho desvio ‘não surge do nada, só se constrói, anos a fio, com a omissão ou a conivência de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)’. Triste conluio do governo do PT, com a parceria do MST e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A malandragem é assustadora: foram identificados 248,9 mil assentados com local de moradia diferente do lote concedido; 23,2 mil já contemplados antes pela reforma agrária; 144,6 mil funcionários públicos; 61,9 mil empresários; 1.017 políticos titulares de mandato eletivo, sendo 847 vereadores. Sem-vergonhice. Tétrico. O TCU aponta 37,9 mil pessoas mortas na lista dos beneficiários da reforma agrária. Entre os vivos, 19.393 cadastrados são donos de veículos de luxo, como Porsche, Land Rover e Volvo. Picaretagem pura. Há tempos alguns de nós, estudiosos da reforma agrária, denunciamos os desvios do processo de distribuição de terras. Vem de longe a existência de um “mercado de terras’, em que se vendem, se compram e se arrendam lotes nas barbas do INCRA. Tudo proibido, mas rola fácil. Propina descarada. A cada análise crítica, os ideólogos da chamada ‘esquerda agrária’ bradam contra nossos alertas. Para nos desqualificar, acusam-nos de defensores do agronegócio. Eles, os puros, defendem a ‘agricultura familiar’ e, mais recentemente, a ‘agroecologia’. Caiu a máscara. Já mostrei anteriormente como uma série de convênios governamentais destina milhões às organizações agrárias ligadas ao esquema da corrupção no campo. Dinheiro público na veia do ‘exército vermelho’, aquele que Lula diz comandar. Basta acessar meu site www.xicograziano.com.br e conhecer a lista completa das ONGs, com os respectivos valores que receberam nos últimos 10 anos. Definitivamente, acabou a utopia da reforma agrária. Pouco importa as razões do passado, ou a ideologia. Na sua existência real, é triste perceber a falência do modelo estatal-distributivista da terra. Pior, mancha nossa história verificar sua trágica degeneração. Não basta suspender a distribuição de terras pelo INCRA. Será apenas um remendo. Há muita sujeira escondida debaixo do tapete. Podridão agrária”.

Quer saber, o que revelou o relatório do TCU ainda foi só a ponta do iceberg. A reforma agrária no Brasil, desde o começo com a SUPRA janguista, é uma coleção quase inconcebível de disparates, desacertos, desperdício de dinheiro público, roubalheira. Prejudicou os produtores, piorou a situação para quem precisava de emprego, em geral foi engano para os que receberam parcelas. O Brasil sofreu muito com os delírios mitomaníacos dos setores obcecados com a reforma agrária, inimigos da realidade e escravizados ao fanatismo ideológico. É preciso acabar logo com o absurdo para o bem de todos. Chega de retrocesso e gatunagem.

Mudar de nome é só o começo, mas vale muito, sinaliza vontade do rumo novo, com o abandono definitivo da trilha em que se torrava dinheiro público a rodo e só causava desgraça.

Outro ponto. O INCRA tem apaniguados de partidos e restos renitentes de petismo, indicações políticas (menos do que nas gestões Lula-Dilma, mas o disparate continua em Brasília e nas superintendências regionais). Essa turma além de especializada em embolsar, só dá prejuízo. Ojo!, dizem os espanhóis, cuidado com as más surpresas. Os produtores rurais e os brasileiros de bem se lembram da visita, tetricamente simbólica, 1º de junho de 2016, de Zé Rainha, outros dirigentes da FNL (Frente Nacional de Lutas) ▬ xerox do MST ▬ acompanhados de Paulinho da Força ao presidente Temer. Era o aviso de que a jararaca ainda tinha veneno nas presas.

Depois do bom golpe simbólico, todos sabem, será necessário modificar rapidamente a legislação e transformar o órgão renovado em real servidor dos produtores e dos que trabalham no campo, ou seja, promotor da segurança jurídica, indutor de emprego e renda, imã de investimentos. Aí ajudará de fato os pobres.

Por fim, volto ao início: nada mais desanuviador que de saída mudar o nome do avantesma que, linha auxiliar de agitadores bem treinados, foi carrasco do produtor e instrumento diligente de políticas persecutórias que impediram a melhoria das condições da vida no campo. Sem a maldição da reforma agrária, teríamos hoje o Brasil mais próspero e melhores empregos no campo.

O nome novo? Que lembre um ou vários dos valores seguintes: propriedade rural, produção, emprego, investimento. O governo tem bons técnicos em propaganda. E a medida sinalizaria oxigênio nos pulmões, traria felicidade ao campo.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

BBB, realidade macabra, nenhum show


BBB, realidade macabra, nenhum show


Péricles Capanema


O BBB (Big Brother Brasil) é um programa de televisão que mostra cenas da vida real de participantes confinados por certo tempo. É um reality show. A expressão Big Brother tem origem no romance 1984 de George Orwell. O Big Brother (Grande Irmão ou Irmão Mais Velho) é o ditador que vigia o povo 24 horas por dia num estado mítico Oceânia. O idioma oficial era a “newspeak” (fala nova) em que o expresso queria dizer exatamente o oposto. No livro, Orwell prevê o totalitarismo sombrio que ameaçava o mundo. Não vou tratar do BBB, programa da televisão.

Orwell foi visionário, acertou. Vou comentar um totalitarismo moderno. Na China comunista, especialmente mediante a ação da ZTE, estatal de telecomunicações, vem sendo implantado celeremente o programa intitulado oficialmente (e eufemisticamente) “construção de um sistema de crédito social”.  Em 14 de junho de 2014 o Conselho de Estado determinou medidas que o tornaria inteiramente efetivo em 2020. Trata-se de vigilância intensa. O país já tem 200 milhões de câmeras ligadas a programas para interconectar dados. Terá 600 milhões em 18 meses. E informações de todos os lados alimentam os computadores dos órgãos de segurança.

O que é o crédito social? É um sistema de pontos (créditos), já largamente empregado na China (chegará a um primeiro nível de perfeição em 2020). Recolhe dados continuamente sobre cada chinês: locais onde está, renda, tempo que passa jogando games, fumante ou não, alcoólatra ou não, multas de trânsito, velocidade do carro, rotas, atraso em pagamento de prestações, desfalques, fraudes nos negócios, frequência em igrejas, se o vigiado (todos) ou parentes dele manifestaram opinião contrária à linha do Partido em comentários de sites, tanta coisa mais. E pontua a seguir. A exata metodologia de coleta e avaliação é secreta (chamada por alguns de sistema de pontuação psicométrica), mas todos sabem, com base em bilhões e bilhões de referências, recolhidas, conectadas e classificadas, a contagem vai subindo ou descendo no crédito social de cada um; e ali está seu futuro. De outro jeito, pioram ou melhoram as perspectivas do vigiado e de sua família. Por vezes, são totalmente destruídas.

Com base nos pontos, os filhos podem frequentar ou não escolas de elite, são concedidas ou não passagens para trens-bala e aviões, permissão para ou veto a viagens ao Exterior, acesso ou interdição a bons empregos, transferências, demissões, descontos nas contas de água e luz, internet mais rápida ou mais lenta, e vai por aí afora. Até melhoram ou pioram as possibilidades de casamento nos sites especializados. Num segundo estágio, a pessoa entra para uma lista negra, ostracismo, fim de qualquer perspectiva de ascensão na vida social e econômica. É forma nova e minuciosa de controle da conduta e da vida econômica. Trata-se de um totalitarismo sem as nuvens de agentes secretos e das brigadas de defesa da revolução, comuns décadas atrás em países comunistas. Na prática, é um totalitarismo mais asfixiante e mais minucioso. Aqui o BBB é realidade macabra e nenhum show.

Saio da China e entro na Venezuela. O governo venezuelano contratou a ZTE, a estatal chinesa que está no centro do programa do crédito social para implantar no país um sistema semelhante ao que vem sendo posto em prática na China inteira. Só em 2017, é o que se divulga, a ZTE recebeu 70 milhões de dólares por esse trabalho. E muitos venezuelanos já não estão recebendo os pacotes de alimentos subsidiados, nem remédios de órgãos estatais, por causa de pontuação que obtêm no “carnet de la pátria”.

O senador Marco Rubio, dos mais destacados homens públicos norte-americanos advertiu a respeito: “A China está exportando seu totalitarismo. A crescente dependência do regime Maduro em relação à ZPE na Venezuela é apenas o último exemplo da ameaça que as estatais chinesas representam para os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos”.

Não tenhamos ilusões, é programa prontinho para ser aplicado no Brasil. Desencaixotam-no, logo que voltem ao poder os derrotados no último pleito. Para isso, trabalha o PT, auxiliados por inocentes úteis e companheiros de viagem. As linhas auxiliares do PT são políticos de esquerda em partidos burgueses, PSOL e a miuçalha de partidos de esquerda, movimentos sociais, acadêmicos e empresários de esquerda ou “progressistas”, gente assim. Em 2010, em artigo intitulado “Inocentes úteis e companheiros de viagem, expressões banidas nas eleições de 2010”, lembrei: “O inocente útil é o que, sem se dar conta, facilita a execução do programa, do qual ele é suposta ou realmente adversário. Ajuda a tomada do poder por alguém que, no futuro, vai trucida-lo, moral ou fisicamente. O companheiro de viagem é o que caminha junto até um ponto da estrada. Ajuda o parceiro a chegar a um ponto determinado de seu programa. O maior exemplo de companheiro de viagem e inocente útil das últimas décadas é a CNBB. Ninguém mais que ela foi companheira de viagem e inocente útil do programa de fazer do Brasil um país libertário e coletivista”.

domingo, 18 de novembro de 2018

Identidade, nacionalismo e Ocidente


Identidade, nacionalismo e Ocidente

Péricles Capanema

Três temas do noticiário cotidiano, identidade, nacionalismo e Ocidente, circunstancialmente pularam para a mais ardente atualidade por causa do choque entre Donald Trump e Emmanuel Macron na manhã de 11 de novembro nas comemorações dos cem anos do fim da 1ª guerra mundial. Convém ter em mente, Estados Unidos e França, aliados históricos, valorizam a proximidade especial já mais que bissecular, que começou com a participação relevante do marquês de Lafayette na guerra de independência.

Nas mencionadas comemorações, presentes quase 80 chefes de Estado e de governo das mais importantes nações do mundo, o presidente francês no discurso oficial, abriu fogo com alvo certo: “O patriotismo é o oposto exato do nacionalismo, este é uma traição daquele. Ao afirmar ‘nossos interesses primeiro e não me importo com os outros’ apagamos o que uma nação tem de mais precioso, seus valores morais”.

“Nossos interesses primeiro” em francês soou em inglês como “America first”. E quem apaga os valores morais é o cínico ou o hipócrita; vale para pessoas, vale para Estados.

Macron reforçou ali os disparos na mesma direção: “A partir de 1918, nossos antecessores tentaram construir a paz. Mas a humilhação, o espírito de vingança, a crise econômica e moral nutriram a ascensão dos nacionalismos e dos totalitarismos. Vinte anos depois, a guerra veio de novo devastar os caminhos da paz. Vejo os velhos demônios ressurgirem, prontos a realizar sua obra e caos e de morte. Ideologias novas manipulam religiões, preconizam um obscurantismo contagioso. Por vezes a história ameaça retomar seu rumo trágico”.

O líder gaulês foi além, fustigou o que julga uma nova traição das classes letradas [trahison des clercs, expressão cunhada por Julien Benda]: “Juntos, poderemos vencer a nova traição dos letrados em curso que [...] nutre os extremos e o obscurantismo contemporâneo”

O mandatário norte-americano, que em várias ocasiões já se declarou nacionalista, em resposta silenciosa, na tarde do mesmo dia não participou do Fórum sobre a Paz, que reuniu os líderes políticos presentes em Paris. Foi visitar um cemitério de soldados dos Estados Unidos. Logo tuitou: “Não existe país mais nacionalista que a França”. E logo depois do referido discurso de 11 de novembro, de novo pelo tuíte, seu meio de comunicação habitual, em várias oportunidades manifestou desacordo. Em sentido contrário, o presidente francês reiterou suas convicções em entrevista bombástica a Fareed Zakaria da CNN.

Macron, com o pronunciamento de 11 de novembro e outras tomadas de posição de mesmo rumo está se colocando como o novo líder da Europa. Tem um discurso contrário a numerosos interesses dos Estados Unidos e lembra a política de tous azimuts do general Charles de Gaulle. Nesse sentido, apela ao sentimento nacionalista de parte do povo francês. De fato, a liderança, antes de Angela Merkel, está vaga. A chanceler alemã, no ocaso político, já não tem expressão para falar pelo Velho Continente. Deixo de lado essa questão; dela, futuramente, pretendo me ocupar.

Volto aos temas do título. Aos três conceitos, nacionalismo, identidade e Ocidente se opõem globalismo (ou mundialismo), multiculturalismo e diversidade. Diversidade, se conceituada à moda antiga, poderia ficar no primeiro bloco. Hoje, seu lugar é no segundo.

O que é ser partidário da identidade? O que é ser nacionalista hoje? O que significa agora defender o Ocidente? Se fizéssemos tais perguntas a vinte pessoas, provavelmente ouviríamos vinte respostas diferentes.

Importa deixar claros alguns aspectos dos três temas, em geral na sombra (de outro modo, pôr pingos em alguns is). Defender a identidade entende-se, via de regra, defender não apenas os interesses do próprio país, mas suas características, leis, costumes e demais qualidades que a História lhe imprimiu. De forma congruente, ser cioso de sua soberania e, de momento ponto candente, estabelecer limites, às vezes rígidos, à imigração.

Em 2006 no livro “Horizontes de Minas” escrevi o seguinte: “Quem abandona suas origens, entra sem norte no porvir. Caminhante sem farol na noite escura, assim é o povo quando levado apenas pelo interesse imediato. De fato, não mais poderá ser chamado autenticamente de povo. Formará um imenso agregado humano, deambulando sem rumo. Despencará para a condição de massa. Seus integrantes serão apenas átomos perdidos e isolados no turbilhão estonteante da civilização contemporânea.” Exprime o que penso.

A fidelidade às raízes caracteriza o amor à própria identidade. Daí nasce a fidelidade ao tronco, aos galhos, às flores e frutos. De outro modo, à sociedade inteira, desde seu primeiro núcleo, a família, que a todos os órgãos superiores comunica sua seiva. O Estado, entidade suprema, terá papel suplementar em relação aos inferiores, que pulsam de vida própria. Tal realidade se expressa no princípio de subsidiariedade e é vacina eficaz contra os delírios do gigantismo estatal, expressos por exemplo em tantos totalitarismos que infelicitaram os homens ao longo do século 20, desde o nazifascista até o comunista. Não é saudável um nacionalismo centralizador, intervencionista, contrário aos regionalismos e desrespeitador de direitos mais naturais e anteriores aos do Estado. Enfim, que inflama doentiamente a função estatal, indispensável e benéfica.

Agora, o Ocidente. É fundamental defender o Ocidente; é o que longinquamente ainda hoje lembra a ordem temporal cristã. O conceito de Ocidente aqui vai além das realidades geográficas, claro, inclui o Japão, Cingapura e outras nações asiáticas de orientação semelhante ▬ regime de liberdade na vida privada e pública, bem como economia de mercado. A realidade aparece funestamente amputada quando parte dos defensores do Ocidente coloca suas raízes em Atenas e Grécia (compreensível), mas se cala sobre a ação da Igreja, em especial seu papel essencial na formação da Cristandade. O Ocidente, um eco atual da Cristandade, só existe porque existiu a Cristandade como ideal nas almas e como começo de realização.

Em resumo, no mundo inteiro pululam reações sadias contra a uniformização e universalização das pessoas e sociedades. Se quisermos, são reações antiglobalistas, Merecem todo apoio, evitando no que for possível que se exprimam mediante ideologias totalitárias, preconizadoras de tolas superioridades, que lhe desnaturariam o conteúdo purificador. Pontos a colocar em relevo já de início ao considerar identidade, nacionalismo e Ocidente: defesa da família, do princípio de subsidiariedade e, fundada no testemunho real da História, visão objetiva do papel da Igreja Católica e sua doutrina em todo esse processo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Hora de observar o panorama


Hora de observar o panorama

Péricles Capanema

Quase três semanas após o 2º turno, é hora boa de parar, escalar um outeiro e observar o panorama; a seguir descer e, com maior segurança, retomar a caminhada. Está menos carregado o ambiente, os negócios começam a melhorar. O Bradesco subiu a estimativa de crescimento do PIB em 2019 de 2,5% para 2,8%, o Itaú Unibanco de 2% para 2,5%. O rumo pressagia mais emprego e renda. De forma congruente, o povo anda mais esperançado com o próximo janeiro que quando entrou em 2018.

Pelas circunstâncias de momento teremos anos de recomposição institucional, com positivas e duradouras repercussões na economia, na educação, na vida de família. Combatidos os fatores de desagregação e de atrofia que nos emboscam e nos enroscam, a sociedade receberá seiva nova para ir adiante, florescer.

Quem fala em esperança, acena para probabilidades, considera potencialidades. Curto, inexiste a certeza. Motivos sem fim a impedem. Vou tratar apenas de uma razão, fundamental, silenciada, age intensamente nos corações. Santo Agostinho chamou-a as duas cidades: “Dois amores erigiram duas cidades, Babilônia e Jerusalém: aquela é o amor de si até ao desprezo de Deus; esta, o amor de Deus até ao desprezo de si”. Santo Inácio retratou a luta com a metáfora das duas bandeiras.

Tal luta tem conotação própria nos Tempos Modernos. Duas forças há séculos arrastam (ou atraem) a maior parte dos homens. Uma parte deles é embeiçado pelas seduções de uma vida sem peias na igualdade, imersa nas explosões do orgulho e da sensualidade. O horizonte utópico que os alicia são, tenham disso consciência ou não, comunidades ateias, libertárias e coletivistas (o comunismo total). Rios de tinta já correram sobre isso. E causaram, na história, rios de sangue. As realizações fracassaram, mas continua viva a tendência de fundo.

Na fímbria do horizonte oposto fulgura a atração austera da ordem, a saber, da vida virtuosa. Não alicia, não magnetiza, mas encanta e pode até arrebatar. Conduz à adesão à ordem temporal cristã, de modo outro, ao anseio da lei de Cristo reinando nos corações, nos lares, na sociedade em geral e no Estado. Se considerarmos que numa extremidade da linha fica um ideal e, na ponta oposta, o outro, em algum ponto do trajeto cada um de nós finca seus pés. Mais importante, movemo-nos em direção a um ou a outro polo. De passagem, convém notar, os polos em sua totalidade hoje cativam relativamente pouco os homens. Contudo, num ponto se apresenta diferente a situação: é enorme o fascínio da vida libertária. Vem destruindo costumes, abatendo princípios, modificando legislações, perpassa desde a esquerda mais extrema até a direita mais privatista em economia; agarra jovens, velhos e maduros.

Em 1959, Catolicismo nº 100, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou o ensaio “Revolução e Contra-Revolução” ▬ sei, a ortografia nova prescreve contrarrevolução, mas emprego agora a antiga por fidelidade ao título original. Depois, em vários idiomas, o trabalho se difundiu mundo afora.

O antigo líder católico fala ali também das duas cidades, vistas sob prisma próprio, a Revolução e a Contrarrevolução. Denuncia a Revolução, fenômeno nascido na aurora dos Tempos Modernos no Ocidente cristão. A ela se opõe a Contrarrevolução. Em relação a tal fato, divide os homens em cinco categorias. Os revolucionários, a saber, com certa simplificação, os que aderem ao comunismo total, ateu, igualitário, libertário (ou para lá caminham). Do lado contrário, os contrarrevolucionários, partidários da ordem temporal cristã “fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal”. No meio, três categorias: os revolucionários de pequena velocidade, os de velocidade lenta e os semicontrarevolucionários.

Assim os qualifica (pensem no Brasil de hoje): “O que distingue o revolucionário que seguiu o ritmo da marcha rápida, de quem se vai paulatinamente tornando tal segundo o ritmo da marcha lenta, está em que, quando o processo revolucionário teve início no primeiro, encontrou resistências nulas, ou quase nulas. A virtude e a verdade viviam nessa alma de uma vida de superfície. [...] Pelo contrário, quando esse processo se opera lentamente, é porque a fagulha da Revolução [...] encontrou muita verdade ou muita virtude que se mantêm infensas à ação do espírito revolucionário. Uma alma em tal situação fica bipartida, e vive de dois princípios opostos, o da Revolução e o da Ordem. Da coexistência desses dois princípios, podem surgir situações bem diversas: * a. O revolucionário de pequena velocidade: ele se deixa arrastar pela Revolução, à qual opõe apenas a resistência da inércia. * b. O revolucionário de velocidade lenta, mas com ‘coágulos’ contrarrevolucionários. Também ele se deixa arrastar pela Revolução. Mas em algum ponto concreto recusa-a. [...] Trata-se de uma resistência [...] mas que não remonta aos princípios, toda feita de hábitos e impressões. Resistência por isto mesmo sem maior alcance, que morrerá com o indivíduo, e que, se se der num grupo social, cedo ou tarde, pela violência ou pela persuasão, em uma geração ou algumas, a Revolução em seu curso inexorável desmantelará. * c. O “semicontrarrevolucionário”. Diferencia-se do anterior apenas pelo fato de que nele o processo de “coagulação” foi mais enérgico, e remontou até a zona dos princípios básicos. [...] Nele a reação contra a Revolução é mais pertinaz, mais viva. Constitui um obstáculo que não é só de inércia. [...] Um excesso qualquer da Revolução pode determinar nele uma transformação cabal, uma cristalização de todas as tendências boas, numa atitude de firmeza inabalável”.

Por que trouxe à baila a classificação do prof. Plinio Corrêa de Oliveira? Como chave de interpretação, para ser pano de fundo de rápido bosquejo de aspectos da situação do Brasil. O antipetismo que determinou a eleição de Jair Bolsonaro abriga em seu bojo variadas correntes. Alguns exemplos em fieira. Ali se destaca o conservador em matéria de costumes, porém apático em relação à economia muito estatizada. Boa parte constituída de gente simples, representa enorme força eleitoral. Existe o liberal [privatista] em economia, libertário nos costumes, comum nos setores letrados. A ele em geral impacta pouco a ideologia do gênero, a generalização do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a agenda LGBT. Temos o homem de hábitos antissocialistas, mas que admite sociedade nivelada para seus netos ou bisnetos. São influentes setores organizados da burocracia estatal, que com certeza espernearão quando da aprovação das reformas que ora se anunciam. A lista é maior, muita gente ficou de fora.

No verso da moeda, um gigantesco contingente popular, de hábitos e até princípios conservadores, pouco instruído, votou em Fernando Haddad por temer a perda de apoios assistenciais, caso vencesse Bolsonaro. Com propostas e trabalho inteligente, pode mudar o voto.

Se a economia andar bem, a frente eleitoral que elegeu Bolsonaro tem condições de se manter sem fissuras destrutivas. Caso marche mal (e aqui pode influir muito a situação internacional, sobre a qual nada podemos), tal frente corre risco de desagregação rápida.

Paro por aqui. Quem avisa, amigo é. No Natal de 1971, 26 de dezembro, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou na Folha artigo intitulado “Luz, o grande presente”. Dirigia-se a todos os autênticos homens de boa vontade para que vigiassem nas trevas da situação e, como os pastores, refletissem e esperassem. Na presente escuridão, espero que o artigo, bico de lamparina, possa para alguns leitores ser um presente (um pouco de luz) e assim facilite a subida em elevações para observar o panorama. Depois, passos para frente no rumo certo. Agir com desídia trará retrocessos, a perda do que foi conquistado com enorme esforço.

domingo, 4 de novembro de 2018

Fim de vida amargo


Fim de vida amargo

Péricles Capanema

Desde há muitos anos a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) tem sido linha auxiliar do PT. O CIMI (Conselho Indigenista Missionário), órgão da CNBB, a mesma coisa, estridência maior a favor da esquerda. A CPT (Comissão Pastoral da Terra), também órgão da CNBB, igual, escarcéu favorecedor do comunismo de arrebentar os tímpanos. Congruentemente, recebiam elogios de morubixabas da esquerda, do tipo Fidel ou Raul Castro ▬ os lobos uivavam em defesa dos pastores. E assim, dentro da Igreja, para tristeza dos católicos, tais entidades têm presença desagregadora. São fermentos de discórdia e fatores de exclusão, pois a maioria dos fiéis se julga rejeitada por elas. Tais fatos se tornaram largamente anacrônicos? Aspectos do Brasil de ontem? O quadro está se movendo.

Diante da inconformidade generalizada contra o lulopetismo, sentimentos que elegeram Jair Bolsonaro, parte da esquerda está se distanciando rápida e ruidosamente do PT e de Lula, buscando assim se viabilizar eleitoralmente para os próximos anos. Seria uma esquerda em que a roubalheira, a malandragem e a incompetência não constituiriam traços repugnantes e dominantes.

Como a tal esquerda em formação (o esboço está no PDT, PC do B, PSB, acenos à Rede, parlamentares do PSDB e PPS) tratará a esquerda católica, suja dos pés à cabeça, com os abraços líricos e os auxílios efetivos que propiciou ao petismo? Todos se lembram, durante todos esses anos, ela calou-se vergonhosamente diante do desastre econômico e da gatunagem. As primeiras manifestações sugerem que a tal nova esquerda não faz tanta questão de apoios na esquerda católica. A razão é simples: não quer se sujar e, com isso, arriscar-se a perder votos.

Vejamos. Da nova corrente, o corifeu mais em evidência é Ciro Gomes. Logo após as eleições, o antigo governador do Ceará, agindo em uníssono com fornido grupo de políticos, pôs em prática o plano, que envolveu muitos encontros e articulações de bastidor. Contudo o mais vistoso dele foram as entrevistas.

Delas, comento uma, concedida ao repórter Gustavo Uribe da Folha de São Paulo. Ali Ciro se lamentou ter sido “miseravelmente traído” por Lula e seus “asseclas”. Comentou: “A cúpula exacerbada do PT já começou a campanha de agressão. O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor. Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana”.

Acusa Lula e a cúpula do PT de falta de caráter, de traição, de serem vendilhões, de duplicidade. E deles quer afastamento para, óbvio, ficar próximo ao povo e ter votos. Expõe o objetivo: “Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda, não tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulos, oportunismo”.

É ataque ao plantel político que a CNBB e suas organizações vêm favorecendo há décadas. Duas figuras aqui têm papel especialmente simbólico: frei Betto e o ex-frei Leonardo Boff.
Deles, o que diz Ciro Gomes? Boff, primeiro: “Eles podem inventar o que quiserem [ou seja, são mentirosos]. Pega um b. [estrume humano] como esse Leonardo Boff. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e o petrolão?”. Para o presidenciável, a mera adjacência já irá incomodar o eleitor. Sobre frei Betto, também quis falar: “O Lula está cercado de bajulador. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, frei Betto”. O primeiro, bajulador e, ademais, estrume humano; o segundo, bajulador sem caráter. Avisos que os quer distantes.

Leonardo Boff, pelo contrário, anseia a proximidade de Ciro. Declarou patético: “Precisamos de uma Arca de Noé onde todos possamos nos abrigar, abstraindo das diferentes extrações ideológicas, para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade e das violências”. Só que, na opinião de Ciro, se gente como Boff e frei Betto subirem na arca, o barco afunda.

De outro modo, políticos, como Ciro Gomes, que desejam a imagem de esquerda limpa, inimiga de traficâncias, não buscarão apoio em figuras como Boff e frei Betto. E, em boa medida, eles representam a esquerda católica. Amigos de ditaduras, admiradores de Fidel, chegando ao ocaso da vida (frei Betto, 74 anos; Leonardo Boff, 79 anos), depois de favorecer o comunismo por décadas, na hora normal de recolher agradecimentos dos favorecidos pelo combate indigno, recebem chibatadas de um corifeu da esquerda: “Não quero estar ao seu lado, vocês me tiram votos e mancham a reputação”. A lógica nos empurra até lá, tal situação respinga na CPT, CIMI, CNBB.