sábado, 26 de março de 2016

Vitória, tu reinarás!

Vitória, tu reinarás!

Péricles Capanema

Hino antigo, cantado com frequência na Semana Santa me suscitou reflexões pelos surpreendentes paradoxos: “Vitória, tu reinarás! Oh, Cruz, tu nos salvarás! ” Via ao mesmo tempo a imagem do Salvador chagado e açoitado, vergado sob o peso da Cruz, caminhando para a morte infamante. Vitória? Tudo indicava derrota total. Olhava em volta, os fiéis cantavam seguros o triunfo. Por que não esperar pelo menos a Páscoa, aí sim ocasião de vitória esplendorosa?

Existiriam motivos para os brados de triunfo? Logo vi, havia, sobrenaturais. Ali se consumava, sob a aparências da derrota, a redenção do gênero humano, eram os atos finais da vitória sobre o pecado, abriam-se as portas do Céu.

Não parei neles. Existiam outros motivos, grandes realidades naturais e sobre elas pouca gente fala. A proclamação da vitória não se dá apenas em atmosferas festivas, como na Páscoa da Ressurreição. Cabe também em momentos de derrota, de sofrimento, no caso a Paixão.

Para me explicar melhor, entro por um atalho. Logo de início vemos, a proclamação da vitória consola ao afirmar a esperança de tempos melhores. Um judeu, no horror do campo de concentração, encontraria alívio cantarolando hino de seu povo que expressasse o ideal de um dia voltar para Jerusalém. De fato, a esperança viva é dos grandes motores da existência, em particular do ímpeto de perfeição.

Queria falar ainda de outra coisa. O sofrimento se opõe ao prazer, não é o oposto da felicidade. Acontece ser o caminho, instrumento tantas vezes único, da ventura e do êxito. E não estou aqui tratando da felicidade celeste, pois ele pavimenta também a felicidade terrena. Aceitá-lo varonilmente, caminhar ao lado dele tendo-o como companheiro de jornada, forma o caráter, prepara os grandes triunfos. Um estudante de medicina que por anos se privou dos prazeres da idade, queimou as pestanas nos livros e palmilhou os laboratórios ao lado de cadáveres em formol, recebe, no fim da jornada, a recompensa da carreira brilhante, da consideração dos seus, de um lugar na sociedade que lhe propicia a felicidade, pela qual se sujeitou ao sofrimento de anos. Quando estudante, estafado, com achaques, mas com a sensação do dever cumprido, quantas vezes interiormente deu brados de vitória. E hoje do promontório de seu tão louvável sucesso contempla com austera saudade os anos de privação em que trilhou o calvário necessário a seu êxito.

Na vida é assim. Qualquer pessoa, qualquer família, qualquer povo, se quer a grandeza cristã, precisa entender e amar o sofrimento, fazê-lo companheiro de jornada. O Brasil, atormentado por tantas crises, delas sairá maior e melhor, se as compreender fundo e as enfrentar com coragem sobrenatural.

Assim, o sofrimento se manifesta na resignação diante da dor, na sujeição ao esforço, no trabalho com método; enfim, na ascética obediência ao dever. E, por tudo isso, na derrota e no sofrimento, cabe tantas vezes o brado da vitória.

É o que na Paixão a Igreja nos ensina. Imerso nesses pensamentos, escutei as outras estrofes. Inicialmente, o caminhar resoluto rumo ao local do suplício: “Nós vamos à cidade e lá eu irei sofrer. Serei crucificado mas hei de reviver”.

Logo depois me irmanei aos católicos que, no meio de generalizada indiferença e incompreensão, hoje mundo afora sofrem perseguição e martírio, aos milhares, quem sabe centenas de milhares: “Vocês não são do mundo, do mundo os escolhi. Se o mundo os odeia, primeiro odiou a mim. Vocês vão ter no mundo, tristezas e aflição. Mas eu venci o mundo, coragem e vencerão”.

Finalmente, voltava a importância do sofrimento para a germinação do bem: “Se o grão que cai na terra, não morre, fica só. Se morre, germina e cresce, seu fruto será maior.”


No silêncio e na escuridão, a semente se transforma em árvore e dá frutos. Rezemos uns pelos outros, para que o que de nós ainda é semente, frutifique bem e logo.

domingo, 20 de março de 2016

A jararaca só venceu quando foi paz e amor

A jararaca só venceu quando foi paz e amor

Péricles Capanema

27 de fevereiro, comemoração do aniversário do PT no Rio de Janeiro, Lula avisou no fim do discurso: ▬ Daqui pra frente, é pão, pão, queijo, queijo. Lulinha não vai ser mais Lulinha paz e amor!

Voltava à cena o Lula próximo dos comunistas, que, em proclamações extremistas, mostrando as presas peçonhentas, perdeu três eleições presidenciais. Só venceu ao garantir  em carta aberta ao povo brasileiro manter a política econômica do governo FHC, inaugurando a fase Lulinha paz e amor.

18 de março, manifestação de apoio ao PT, Dilma e Lula na avenida Paulista, de novo o chefão petista recolocou a máscara antiga: ▬ Vim para cá pensando como falar sem ficar nervoso. Tem muita gente pensando que eu vou atacar. Na hora em que a companheira Dilma me chamou [...] veja o que aconteceu comigo, eu virei outra vez Lulinha paz e amor. Eu não vou lá para brigar.

A guinada aconteceu logo depois de Lula ser anunciado do palanque, de forma solene, como o cavaleiro da esperança, o título de Luiz Carlos Prestes, no meio do mar de camisas vermelhas, onde tremulavam sem número as bandeiras da foice e do martelo.

O que teria acontecido? Um primeiro ponto, arquivou bravatas, voltou à política possível. O PT está fraco politicamente, a rejeição das ruas é altíssima, estão esboroando as alianças partidárias. O Datafolha de 19 de março dá rejeição de 57% para Lula, a maior entre todas as pesquisas; na mesma direção, 68% dos brasileiros querem o impedimento da presidente Dilma. Um fraco tenta acordos, não agride adversários.

Outro ponto chama a atenção, a mudança clara do quadro nos últimos dias. Entre as forças decisivas do Brasil, na política, na economia, no âmbito religioso, nos órgãos de classe, rapidamente está se construindo o consenso de que a saída necessária e provisória da atual crise é o impedimento da Presidente. Coisa que nunca se viu, entidades de classe, às centenas, estão se manifestando publicamente pelo fora Dilma. E, em especial, dois sintomas indicam atmosfera nova: a OAB, até agora, de fato, embora com disfarces, força auxiliar do lulopetismo, em votação esmagadora, apoiou o impeachment. O segundo, a CNBB, de triste trajetória governista, calou-se. Hoy por hoy, como dizem os espanhóis, já vivemos no pós-Dilma.

No situacionismo, continuam arreganhos e estrebuchamentos; são compreensíveis e até imprescindíveis para o PT. Um deles foi a declaração boçal de Eugênio Aragão, o novo ministro da Justiça: ▬ Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova. ▬ É o petismo em seu lado totalitário, harmônico com o mar de vermelho na avenida Paulista e as bandeiras da foice do martelo. E assim, posto o clima atual, o governo, até por jogo de cena, vai continuar esperneando.

Estrebuchar, passar a impressão de que não entregou os pontos, tem razão importante, ajuda a manter acesos os ativistas. A direção partidária precisa dar carne para o tigre, sob pena de os mais ardidos caírem  na inanição. Com um problema: dá problemas o tigre rugir demais.

No caso, temos dois problemas concomitantes, de difícil harmonização, ambos decisivos para o futuro do PT: desmobilizar os opositores e mobilizar a militância. E o partido precisa solucionar ambos aceitavelmente, sob pena de sucumbir. Não custa lembrar, o PT não é partido comum, é seita ideológica, no horizonte político brasileiro em boa medida ocupa o lugar vago pelo antigo Partidão; como o velho PCB, precisa nutrir os setores ardidos. Nesse quadro, até os políticos petistas de mais relevância, confrontados com o “senhor Fato”, recordando a expressão de Ulysses Guimarães, já devem estar com a atenção mais posta no pós-Dilma que na situação atual. E, logicamente, seu propósito deve ser manter acesa a militância, atrair simpatizantes e não perder muito eleitorado. Para conseguir os três fins, o provável é enorme encenação de partido preocupado com os pobres, porta-voz das causas progressistas, injustiçado por perseguição implacável de elites insensíveis. Além disso, em auditórios escolhidos, destemida e afirmativa defesa das teses extremistas, as que provocam aclamações delirantes.


E volto, se carregar fora da medida a agressão aos sentimentos públicos dominantes, endurecerá o polo duro do antipetismo e, congruentemente, favorecerá seu aumento. Aí pode queimar chances de progresso por décadas. Dessa forma, a menos que sejam idiotas, e não são, os estrategistas do PT buscarão meios de evitar que a presente exasperação antipetista, de si lava passageira, se transforme em pedra, obstáculo permanente. O Brasil que presta, o que pretende? Quanto mais pedra, melhor.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Triunfo popular e aviso para todos

Triunfo popular e avisos para todos

Péricles Capanema

Na noite de domingo último o Brasil que presta respirou aliviado. Via caminho depois das avassaladoras manifestações de norte a sul. Desta vez, não foi como em 2013 e 2015, reivindicações de vários tipos, algumas confusas, parte delas até mesmo contraditória. As exigências surgiram bem compendiadas no protesto focado: Fora Dilma, fora PT. Em curto, os manifestantes, fartos da roubalheira, queriam o PT fora do governo. O ronco das multidões iradas ecoou longe, simbolicamente despejou a inquilina do Planalto. Renúncia, impeachment ou cassação do mandato pelo TSE são as saídas constitucionais. Fala-se também, ainda com pequena probabilidade de êxito, na instauração do semiparlamentarismo (ou semipresidencialismo), em que Dilma Rousseff se arrastaria, com poderes diminuídos, até 2018. De outro lado, o juiz Sérgio Moro saiu das manifestações como o grande herói anticorrupção. Simplificar no caso permitiu comunhão de sentimentos, viabilizou o impacto, deu ao Brasil a necessária sensação de luz no fundo do túnel.

Agora o day after, o complemento. Passado o momento da síntese acalorada, chegou a hora da análise fria, e assim salvar a esperança.

Um primeiro ponto. Sei, a partir de agora, posso a alguns parecer pesado, paciência; prefiro a impopularidade passageira à desmoralização perene. Nas manifestações do último domingo o Brasil esbravejou um basta aos corruptos. É a mais compreensível, louvável, comum e fácil das raivas na cena pública, facilmente caminho para desastres, se for apenas madeira para incendiários juízos precipitados. Em 1930, a grande denúncia foram os “carcomidos”, os políticos da República Velha. Em 1964, a corrupção e a subversão, mais a primeira que a segunda, foram as grandes denúncias. Ponho à luz aspecto quase nunca comentado: a partir de então, pouco de sério efetivamente se fez no campo ideológico e das mentalidades, o Brasil, na calmaria das superfícies, pela atuação multifacética das esquerdas por seguidos lustros foi preparado a fundo para o período da República Nova, inaugurada em 1985. O PT surfou nesta onda. Quem não se recorda, durante anos para larga faixa do público foi o partido da ética (O PT num róba, nem deixa robá). Neste aspecto, o 13 de março, golpe forte na esquerda, de fato foi mais antigoverno que antiesquerda. E seria mais tranquilizador a atenção de fundo também fixada na ameaça totalitária, no perigo do hegemonismo, na expansão do coletivismo. Tudo isso não vai parar, se a opinião do povo brasileiro não parar o PT.

Os protestos antipetistas do 13 último foram apenas começo promissor, ainda muito ameaçado. Virá reação implacável, muita gente obcecada se sente ameaçada em seus mais importantes planos. O PT tem na direção, posições decisivas, adeptos fanatizados de seita ideológica, cuja meta é, pelo projeto de poder, ir até seu objetivo, criar um tipo humano ateu, igualitário, libertário. Salvo casos raros, são inamovíveis nas convicções e propósitos. Esse grupo só se preocupa com a generalização da pobreza provocada pelas políticas petistas, na medida em que, no momento, prejudica seu caminho para o objetivo final. Lançará mão de todos os recursos para preservar as possibilidades de chegar logo que possível ao alvo. Dilma Roussef certa vez disse: “Nós podemos fazer o diabo quando é hora de eleição” E Aloízio Mercadante há pouco, na mesma direção, sentenciou: “Em política, tudo pode”. O mais recente golpe foi a posse de Lula no cargo de ministro-chefe da Casa Civil. As jararacas (não é só Lula, é muito mais) vão fazer o diabo, sem escrúpulos, para virar o jogo. Mesmo acordos com as forças oposicionistas e o desembarque de Dilma Rousseff.

A Paraná Pesquisas realizou levantamento sem critérios seletivos (só dois, maiores de 16 anos, 56% de homens, 44% de mulheres) entre o público que protestou na Paulista dia 13, perguntadas 1.200 pessoas das 12 às 18 horas. Voto para presidente: Aécio 29%; Bolsonaro, 16%, Marina 12%, Caiado 4%, Ciro Gomes 4%, Cristóvão Buarque 3%, Lula 2%, nenhum 21%. Avaliação da oposição 42% a julgam omissa, 38% a consideram branda/passiva.


O que sai do retrato momentâneo? Um dado pisca vermelho: 80% do público não se vê representado pela oposição. É terreno de si saudável, evidencia exigência muito maior de energia antiesquerdista; de outro lado, facilmente podem medrar aventureiros portadores de propostas desastrosas. Ainda se vê enorme dispersão de opiniões. Em resumo, a exasperação popular manda avisos para todo mundo. Entre outros, de grande importância: para a direita, falta cristalização e enraizamento de princípios; para a esquerda, o esquerdismo triunfante na imprensa em geral esconde conservadorismo latente. É perigoso cutucar a fera adormecida, sobretudo com crise econômica brava. Tem caminho? Sem dúvida, depende fundamentalmente não dos políticos, nem do Judiciário, nem da imprensa, mas do rumo da inconformidade popular.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Desinteresse mortal

Desinteresse mortal

Péricles Capanema

Dia 3 último, no Clube Homs, em evento promovido pelo IPCO, tive noite de gala, reconheço, um tanto funérea. Por que noite de gala? Pelo banquete intelectual a mim oferecido. Por que funérea? Pela mostra de situação gravíssima, de difícil reparação. E, se não reparada, significará o afundamento de grande nação, irmã nossa.

Vamos ao caso, assisti palestra de muita luz sobre a situação colombiana. E, a mais, proferida por Eugenio Trujillo, ótimo conferencista, domínio total do tema; pisava firme e rápido. O texto da palestra, o manifesto distribuído pelo expositor, da lavra da Sociedad Colombiana Tradición y Acción e do Centro Cultural Cruzada e uma carta aberta aos colombianos deveriam ser objeto da atenção séria de todos os brasileiros interessados em nosso futuro. A propósito, a conferência era para ser proferida pelo coronel Plaza Vega que, por injusta e implacável perseguição política, não pôde estar presente e mandou um vídeo. Eugenio Trujillo o substituiu.

O núcleo da exposição foi a situação futura da Colômbia, ameaçada por misterioso, universalmente publicitado, acordo de paz entre o governo e as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia), organização narco-guerrilheira. Mediante processo bafejado por grandes atores internacionais, entre os quais infelizmente o Vaticano e os Estados Unidos, a guerrilha marxista potencializada pelo comércio da cocaína está prestes a participar do poder na Colômbia, com enormes vantagens para sua expansão e domínio. A vítima? O povo colombiano. E quem estiver por perto, desinteressado da sorte do vizinho. A Colômbia tem mais de 1.600 quilômetros de fronteira com o Brasil, seus problemas, em especial drogas e guerrilha, nos afetam profundamente. Fingir que não existem, como o avestruz, não muda nada. É desinteresse mortal.

O mencionado manifesto de saída reclama transparência, direito básico dos colombianos, até aqui negado: “De fato, são tantas as omissões e contradições que emergem do segredo que rodeia esses acordos que é forçoso perguntar ao governo qual a verdade total do pactuado”. Os acordos são os acertados entre governo e FACR em Havana, sob o olhar velhaco e satisfeito do ditador Raúl Castro. A aludida carta aberta vai na mesma direção: “Exija ser escutado. Todos os colombianos queremos ser escutados”.

A explicação do manifesto, na mosca: “ Por que esconder ao País quais as concessões feitas às FARC? Pelo motivo simples que a imensa maioria dos colombianos rechaçaria tais acordos se os conhecesse”.

Em outras palavras, os acordos só vingarão, se seus termos ficarem bem escondidos, ou astutamente negados, da opinião pública do País. Há pouco o Congresso do País aprovou lei reveladora; se 13% do corpo eleitoral os chancelasse em plebiscito, estariam legitimados. O manifesto, em posição coerente, dá como inaceitável pergunta global e equívoca e exige uma pergunta sobre cada um dos seus aspectos importantes. A carta aberta vai na mesma direção, fala do perigo da pergunta capciosa e confusa no plebiscito.

Como o governo e as FARC pretendem sair da enrascada? Já se viu, enganando, ocultando os termos reais do acordo. E buscando apoios internacionais para forçar a aceitação popular. É claro, ninguém é contra a paz. O problema é o tipo de paz pactuada.

Abaixo, alguns dos pontos dos acordos cujo conhecimento exato está sendo negado ao povo. O Estado não poderá confiscar das FARC o dinheiro amealhado ao longo de décadas com o narcotráfico, sequestros, extorsões. Fala-se em bilhões de dólares; seriam jogados na luta política com efeitos devastadores. O governo afirma que os guerrilheiros entregarão as armas. Eles negam peremptoriamente. Garantem, ficarão em dejación (postas de lado); precisando as empunhariam outra vez. Sem eleições, terão assentos no Congresso. Não repararão as vítimas, milhares de sequestrados, menores roubados aos pais, muitos dos quais depois utilizados em combates e até mortos, mulheres presas, parte das quais estupradas e abusadas pelas hordas subversivas

O presidente Juan Manuel Santos contabiliza muito em seu favor suposto apoio do Papa Francisco às conversações. O manifesto com piedade varonil põe os pingos nos is: “Sobre isso é preciso dizer com veneração pelo Papa que não está entre suas faculdades pressionar ou ordenar ao povo católico que aceite em matéria temporal atos de governo ou acordos políticos que lesionem ou ponham em grave risco direitos fundamentais de grande parte da população”.


Eugenio Trujillo deixou evidente no fim de sua exposição o estado de abandono em que está o povo colombiano, empurrado para a boca do leão, com assistentes aplaudindo ou, desinteressados, pensando em outras coisas. Mas, homem de fé, deixou clara a confiança na Providência. Ela não abandonaria a Colômbia. Lembrei-me então de passagem evangélica: “E vendo aquelas multidões compadeceu-se delas, porque estavam fatigadas e como ovelhas sem pastor”.

domingo, 6 de março de 2016

A jararaca está viva

A jararaca está viva

Péricles Capanema

Vou pôr em relevo pontos complementares ao que li ontem e hoje, domingo, 6 de março. Depois da condução coercitiva para depoimento, o ex-presidente Lula falou à militância e terminou o discurso com ameaça: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca está viva”. A jararaca era ele, a jararaca era o PT, a jararaca era a causa defendida pelo PT, era o governo Dilma; enfim, era tudo o que simbolizava, como expressão máxima, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.

A imagem empregada me transportou instantaneamente à infância. Nasci em cidade do interior mineiro, na época pequena, em menino matei muita cobra nas idas à roça. Tinha aprendido bem o método. Logo que via a cobra, procurava no mato um galho rijo, de preferência ainda meio verde, se possível mais de metro e meio. Desfolhava. Abaixava-me para horizontalizar o galho e batia forte no meio da cobra, nunca na cabeça. Uma pancada só, caso resolvido. Com a espinha quebrada, o animal não se movia. Depois, vinha o esmagamento da cabeça. O primeiro golpe na cabeça é coisa de ignorante. Meus amigos, os sabidos homens do campo, gente do ramo ▬ lembro-me, quantas saudades!, do Zé Reginaldo, preto velho, conhecia tudo ▬, avisavam o menino atento: ▬ Nunca na cabeça o primeiro golpe; é difícil acertar e irrita a cobra. Você pode ser picado no bote de defesa. A primeira porretada, sempre no meio da cobra.

Pensei logo, Lula não sabe matar cobra? Inventou na hora a metáfora só para impressionar, sem se preocupar se estava certa ou não? Sei lá. Até para matar cobra não faz sentido a receita do PT.

Mas eu queria falar era de outra coisa. Os grandes líderes, em geral, quando comparam suas ações a animais, buscam simbologias que evocam nobreza, coragem, beleza. Napoleão, retornando da ilha de Elba, em linda imagem proclamava que a águia imperial voaria de campanário em campanário até conquistar Paris. Na religião, o mesmo. Os quatro evangelistas são representados pelo homem, touro, leão e águia. Nosso Senhor, o Leão de Judá, comparou-se ao cordeiro, à galinha, mandou imitar a pomba e a serpente ▬ aí destacou só um aspecto, a prudência, retirando da comparação os demais atributos (Eu vos mando como ovelhas no meio de lobos; sede pois prudentes como as serpentes e simples como as pombas). O escritor sagrado, quando buscou o animal que mais retrataria a ação demoníaca na tentação aos primeiros pais, escolheu a serpente. Uma jararaca. Curioso, o PT quer intimidar com a cobra. O leão também é bicho apavorante. Ou o falcão. Ou a águia. Mas o PT percebe que seria gritantemente artificial utilizá-los em suas comparações. Ser como a jararaca soa natural.

Na imaginação dos povos, a serpente simboliza perversidade, agressão insidiosa, deslealdade, emboscada, sordidez. E amedronta muito. Aliás, logo depois de Lula julgar que a jararaca, em resumo expressivo, simbolizava bem o que pretendia transmitir, por inadvertência de deputada comunista, tivemos deprimente exemplo da sordidez cumpanhera ao ouvir o que o morubixaba petista vociferava a uma senhora, a presidente da República, em vídeo divulgado por Jandira Feghali (“Lula está nesse momento conversando com a presidente da República”, relatava empolgada a parlamentar). Nem vou transcrever o que Lula dizia desembaraçadamente à Presidente, pelo visto julgado por ambos a coisa mais natural do mundo, ali estava autêntico, sem maquiagem propagandística, o ambiente petista.

Concordo com Lula: a jararaca está viva. Por que preocupa? Atenção, não é só, nem principalmente, porque pica e mata. É sobretudo pela capacidade de seduzir, trazendo, postas certas condições, o passarinho para sua boca. O passarinho hipnotizado representa parte da opinião do Brasil. Ninguém agora está tratando da capacidade sedutora da jararaca, mas não foi sobretudo a intimidação da militância que nos jogou no buraco, foi a gigantesca capacidade de iludir do petismo e de seus companheiros de viagem.

As análises destacam, o PT está utilizando o episódio para atiçar a militância e tentar incendiar as ruas, para, por intimidação, o primeiro dos efeitos, ver se diminui a adesão popular ao ato oposicionista programado para o próximo domingo, 13. Nessa direção, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (o patriota dos dólares na cueca do assessor), nos últimos tempos em geral trabalhando mais para bombeiro que para incendiário, desta vez carregou delirantemente nas tintas. Qualificou a condução coercitiva de “tentativa de golpe da direita, de setores da Polícia Federal, do Ministério Público e de grande parte da mídia. Foram além do limite”. Apontou a meta: ▬ A militância do PT tem que reagir. Temos que dizer 'não' ao golpe. Temos que ter uma agenda de combate ao golpe iniciado pela oposição.

Em suma, a intenção da cúpula partidária está clara, aproveitar o episódio para mandar o corneteiro tocar “cavalaria, avançar”, “cavalaria, degolar”. Antes, nos últimos anos, o que levou ao triunfo estava mais para o flautista de Hamelin, adormecer, embair, afundar, um gigantesco poder encantatório. Agora, posta de lado a flauta aliciante, a cúpula espera aferventar a militância com a corneta do combate. Vai dar certo?

Tem seus riscos. O bruxedo petista funcionou com opinião pública meio adormecida, abobada com o Lulinha, paz e amor e recursos semelhantes. Veio a era da bonança dos preços das commodities. Agora, pobreza e desemprego aumentando, oposição crescendo, para amedrontar anunciam com estrondo o “cavalaria avançar” e o “cavalaria, degolar”. Será que o brasileiro médio vai se intimidar? Ou causará efeito contrário, aumento do ânimo reativo e cristalização de posições?


Historicamente prejudicou mais a capacidade de iludir, na qual a militância petista intimidante, mais fumaça que fogo, era recurso valioso, usado em especial para amolecer resistências de setores conservadores reativos. A cantilena, era preciso ceder um pouco, não dava mais. Todavia, os grandes instrumentos sempre foram outros, o esquerdismo burguês, a colaboração eclesiástica, a superficialidade otimista e descuidada dos opositores, bem como a patrulha implacável contra tudo o que representava vigilância lúcida. Repito aqui, a intimidação dos movimentos sociais é coisa séria e deve ser tida em consideração, contudo, atenção, é mais fumaça que fogo. Boa parte dela é de gente paga, ódio de aluguel. Decisivas continuam sendo as outras formas de colaboração com a esquerda.