terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Desligaram o botão do pânico

Desligaram o botão do pânico

Péricles Capanema

Desde 2013 em Vitória, capital capixaba, as mulheres ameaçadas por ex-maridos, namorados ou companheiros dispõem de eficaz defesa, o botão do pânico, pequeno, cabe na bolsa. Com a aproximação do potencial agressor, elas apertam o botão. Um alarma soa na sala de monitoramento da Guarda Municipal. Ali, o computador indica onde está a vítima e a viatura mais próxima. Os guardas recebem no celular a foto do ofensor. E acodem logo. Mais de vinte homens já foram presos. Numerosas consortes, antes agoniadas, com o novo recurso, experimentam enorme sensação de segurança e tranquilidade. Constatação da juíza Hermínia Azoury: “As mulheres clamam pela medida protetiva. Elas pedem: ‘Doutora, nós precisamos muito do botão do pânico’”. A providência tem o patrocínio do Judiciário e a colaboração da Prefeitura. Em São Paulo, o prefeito João Dória pensa aplicá-la. Tende a se generalizar Brasil afora.

Viro a página. Diante de notícias recentes, tive a estranha sensação de que o Brasil está tentado a desligar o botão do pânico. Eu também acho, precisamos muito do botão do pânico, e não apenas para proteger as mulheres contra a violência. A razão é simples: o botão do pânico ligado indica vitalidade. Em qualquer campo.

O DataFolha publicou a última pesquisa para a eleição de 2018. Segundo turno: Lula 38%, Aécio 34%. Outra possibilidade: Lula 38%, Alckmin 34%. Terceiro cenário: Lula 37%, Serra 35%. Quarta hipótese: Marina 43%, Lula 34%. Marina com os três presidenciáveis tucanos: Marina 47%, Serra, 27%; Marina 48%, Alckmin 25%; Marina 47%, Aécio 25%. Lula continua o mais rejeitado entre os candidatos à Presidência (44% não vota nele de jeito nenhum).

Para o primeiro turno, o ex-presidente ampliou sua vantagem em relação à pesquisa de julho passado. Com Aécio candidato, Lula tem 25%, Marina, 15% e o tucano 11%. Em julho, Lula, 22%, Marina, 17%, Aécio, 14%. A seguir, Bolsonaro, 9%, Ciro, 5%, Caiado, 2%. Lula ganhou pontos em todos os segmentos. Destaco, entre os mais escolarizados, 13% em julho, agora, 17%. Tem 30% de intenção de votos entre os mais pobres; 34% entre os menos escolarizados e 41% no Nordeste.

Surge um novo eleitor: o partidário  de Sérgio Moro. 50% dos que escolheriam o juiz, não votariam nem em tucanos, nem no petista. Sem Moro no páreo, iriam para o voto nulo ou branco.

Sei, eleição distante, fins de 2018. O quadro pode mudar muito. A mais, os institutos de opinião pública estão com a credibilidade lá embaixo. Outro ponto, na pesquisa espontânea, Lula aparece com 9%, Bolsonaro, 3%, Aécio, 2, Marina, 1%, Moro, 1%. A maioria, 62%, não cita ninguém, indicando público desinteressado e desinformado. Há pouco os pleitos municipais evidenciaram enorme desgaste petista. Somando e subtraindo, raízes fracas, um eleitor, como a biruta, sujeito a todo tipo de ventos.

Foi inominável o que o brasileiro sofreu com o desastre petista. Lembro algumas das chicotadas, queda do padrão de vida, desemprego galopante, falta de investimento e de perspectivas. Ao lado, corrupção em quase todos os espaços da administração pública, promovida como meio de enriquecimento pessoal, mas também como método de projeto de poder e de implantação de políticas estatizantes. Com a longa e geral degradação, o Brasil que presta se sentiu enxovalhado.

Num primeiro momento, veio o atordoamento e o choque com a enxurrada suja das revelações. Com a sensação do perigo iminente, muita gente apertou o botão do pânico. Depois presenciamos o esgotamento paulatino se aprofundando, a acomodação se espraiando, a impaciência se transmutando em desagrado. Moral da história, inchou a insensibilidade diante do horror passado.


Já não se ouve em muitos lugares a estridência do alarme. O botão do pânico parece desligado. Por quê? A lógica nos empurra à conclusão: continuaram atuantes traços atávicos do temperamento público como a superficialidade, o imediatismo, a impressionabilidade doentia, a falta do hábito de decidir estaqueado em princípios. Já foram motivos de tragédias; agora formam solo para desastres futuros. É todo mundo? Claro que não. Mas constituem multidões. Faz falta em tantos campos a reatividade das mulheres ameaçadas de Vitória: “Doutora, nós precisamos muito do botão do pânico”. É meu slogan para 2017.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Cientificamente viciados

Cientificamente viciados

Péricles Capanema

Isso é para você, sua família, seus amigos. Observe num ônibus, num trem: boa parte das pessoas está desinteressada da paisagem e dos próximos. Examinam seus celulares. Assiste a uma aula e até a uma conferência; parcela expressiva não olha para o professor ou palestrante, tem as retinas fixas nos respectivos celulares. Está num restaurante, presta atenção nos vizinhos. Porcentagem alta não está conversando. Desinteressada dos convivas, entretém-se com os celulares.

Fenômeno natural? Os assuntos ventilados nas redes sociais são muito interessantes? Tristan Harris tem muito a dizer. Quem é ele? Gente do ramo. Grande especialista, morador do Vale do Silício na Califórnia, fundador de start-up que vendeu para o Google, antigo funcionário dessa empresa e da Apple. Agora, diante da gravidade de sintomas que observou alarmado, resolveu alertar o público a respeito de problemas de utilização útil do tempo causados pela generalização das redes sociais. Segundo ele, bilhões, com grave prejuízo pessoal, sem se dar conta, estão perdendo muito tempo nas redes sociais. Fenômeno universal, a vagabundagem cultivada repercute fundo na psicologia, equilíbrio mental, bem-estar, comportamento, vida profissional e familiar. Todo mundo sabe, quem perde tempo, esperdiça a vida.

Para confrontar a questão, Tristan Harris fundou a Time Well Spent (Tempo Bem Gasto), organização não-governamental sem fins lucrativos, hoje já muito atuante nos Estados Unidos (a respeito a revista Veja traz ampla reportagem na edição de 7 de dezembro; a maioria dos dados do presente artigo está lá).

Afirma Harris, os produtos das empresas que operam as redes sociais são concebidos primordialmente para sequestrar o tempo dos usuários. Garante com conhecimento de causa: “O sucesso desses produtos é medido pela quantidade de tempo que eles capturam dos usuários. Milhares de engenheiros e designers desenvolvem tecnologias capazes de persuadir indivíduos a não largar delas. Nós, os designers e os programadores que criamos os algoritmos comparamos esse vício à operação de um caça-níqueis”.

Constata o especialista: “A maioria dos seres humanos crê, ingenuamente, que tem controle total sobre tudo”. Para ele, é o contrário: “Quase sempre, a tecnologia nos influencia e nos conduz. Do outro lado da tela, na sede do Google ou da Apple, há profissionais como designers e engenheiros – eu fui um deles – trabalhando para que seus clientes não parem de usar seus produtos”. Criam sensações enganosas: “Essa tropa desenha tudo, de forma a transmitir a falsa sensação aos usuários de que eles estão no controle. Não estão. Bilhões de dólares são investidos para que uma pessoa, ao se conectar a uma rede social, não consiga parar de mover a barra de rolagem para baixo. Não é maldade, nem magia, só parte do negócio. As empresas têm como objetivo capturar nosso tempo, e por meio dele ganhar dinheiro”. Coloca atenuantes: “Isso não quer dizer que os fundadores e os funcionários dos gigantes da tecnologia sejam do mal. Sou um deles e vivo entre eles, meus amigos”.

Vai adiante na cruzada contra o que chama de sequestro da atenção: “É possível persuadir a mente com uma série de técnicas”. Discorre então sobre algumas delas, com base na curiosidade inata aos homens e nas recompensas, até mesmo psicológicas. “É um círculo vicioso, criado pelos engenheiros e designers que desenvolveram a plataforma. Sair dele é tarefa árdua, pois teríamos de batalhar contra instintos enraizados na mente. Não à toa, em universidades de ponta como Stanford, onde estudei, pesquisamos como se dá o funcionamento da mente para fabricar máquinas aptas a controlá-la. Temos conhecimento da biologia humana e, com essa base, a influenciamos. Não é por acaso que os melhores designers de empresas como Apple e Google contam com salários milionários”.

Tristan Harris não chega a comparar o viciado em redes sociais com o dependente de cocaína. Vê nelas, de fato, e até fundadamente, aspectos positivos relevantes. Mas aceita a comparação com a indústria dos alimentos de trinta anos atrás, que induzia patologicamente ao consumo excessivo do açúcar. “Até os anos 90, consumidores, em sua maioria, não viam problema em se entupir de junk food. Quanto mais comiam, mais queriam, acabavam viciados em açúcar. Este tipo de dieta destrói o organismo. Tem que ser uma mudança como a que ocorreu com o mercado alimentício. É urgente que as pessoas compreendam quanto é prejudicial a dependência de redes sociais e aplicativos. Tomam o tempo que poderia ser dedicado à produção profissional ou ao convívio familiar”.


Como conclusão, destaco os dois pontos da exemplificação. O primeiro, a produção profissional. As redes sociais prejudicam o estudo sério, necessário para o exercício proficiente de grande número de profissões. Lembro uma só delas, a medicina. É grave consequência contrária não só à vítima, mas também ao bem comum. Convívio familiar, o segundo. As redes sociais, inibindo o contato de familiares, dificultam entre outros pontos o enraizamento do afeto, indispensável para o aperfeiçoamento humano na infância e à segurança na velhice. A mais, minguam a conversa, essencial na socialização familiar. No mais amplo sentido, é todo o futuro em cheque. Conhecer bem o tema é o primeiro passo da solução.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Ventos de restauração, presente de Natal

Ventos de restauração, presente de Natal

Péricles Capanema

Em artigo recente, intitulado Cristandade, festejei, embora admitindo eventuais senões, a consagração do Peru ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. Na ocasião, notei: “Cristandade, realidade esquecida, enterrada, até vilipendiada. O progressismo a abomina, tantos católicos, mesmo de boa orientação, substituem o termo por outros, temerosos de empregar anacronismo não mais aceito, nem sequer tolerado em certos círculos. Na Grécia antiga pela pena do ostracismo o cidadão era expulso do convívio de seus pares. Cristandade parece tê-la sofrido. Fale dela em seus círculos, qualquer deles, vão torcer o nariz. Deveria ser o contrário”.

O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski tem antepassados na Polônia. E é de consagração e Cristandade na Polônia, que vou tratar agora. É preciso repetir o que afirmei no outro artigo, tudo o que lembra Cristandade merece registro. E na Polônia teve outra importância que no Peru.

Cracóvia. Em 19 de novembro, ecoando prática tradicional na Igreja, infelizmente de há pelo menos algumas décadas virtualmente abandonada, os bispos da Polônia, o presidente da República, o primeiro-ministro, os presidentes da Dieta (espécie da Câmara dos Deputados), do Senado, ministros, deputados, diante de aproximadamente cem mil fiéis consagraram a Polônia a Cristo Rei.

De passagem, estou certo e constato com tristeza: mesmo longinquamente, nada do que aconteceu na Polônia será promovido entre nós pela CNBB e por titulares do Poder Público. A última da CNBB: condenar a PEC 241, a do teto nos gastos públicos, como de hábito somando sua voz à gritaria estridente do PT, PC do B, MST e agitadores congêneres. Ao mesmo tempo, manter silêncio, pelo menos até agora, também com muito de habitual, a respeito da ampliação dos casos de aborto, autorizada pela 1ª turma do STF (até o terceiro mês da gestação já não é mais crime).

Volto à Polônia. O ato solene, precedido de novena de preparação, realização no sábado em Cracóvia, foi repetido no domingo em todas as igrejas do País. Abaixo, trechos da consagração. Começa assim: “Ó Rei imortal de todas as épocas, Senhor Jesus Cristo, nosso Deus e Salvador. Neste ano jubileu do 1050º aniversário do batismo da Polônia, neste jubileu extraordinário da misericórdia, nós, os poloneses, colocamo-nos diante de vós, com nossas autoridades, o Clero e o laicato, para reconhecer vosso reino, submeter-nos à vossa lei, consagrar-vos nossa pátria e todo o nosso povo. Diante do Céu e da Terra confessamos que temos necessidade de vossa lei. Reconhecemos que só vós tendes uma lei santa e perene para nós. Por isso, humildemente, inclinando a cabeça diante de vós, Rei do Universo, reconhecemos vossa soberania sobre a Polônia e todo nosso povo vivendo na pátria e disperso pelo mundo”. O texto especifica em que condições pede a Nosso Senhor Jesus Cristo que reine; destaco: “Em nossos corações; em nossas famílias; em nossas paróquias; em nossas escolas e universidades; em nossos escritórios, lugares de trabalho, serviço, repouso; em nossas cidades e vilas; em toda a nação e no Estado polonês”. Faz agradecimentos por graças recebidas: “Pela graça do batismo e aliança com nosso povo ao longo dos séculos; pela presença maternal e real de Maria em nossa história; pela vossa fidelidade, apesar de nossas traições e fraquezas”. Ecoando o ensinamento tradicional de que a consagração é uma renovação das promessas do batismo, afiança: “Renunciamos ao demônio e a todas suas obras”. A seguir enuncia compromissos (nós nos comprometemos), de onde retiro: “a ordenar toda nossa vida pessoal, familiar e nacional segundo vossa lei; a cuidar da santidade de nossas famílias e da educação cristã de nossos filhos; a construir vosso reino e a defende-lo em nossa nação”. Termina assim: “Aqui, a Polônia, por ocasião do 1050º de seu batismo, aceitou oficialmente a realeza de Jesus Cristo. Glória ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e para sempre. Amém”.

O valor de uma consagração depende da pureza de intenção, da seriedade em conformar a vida privada e pública ao que as palavras significam. No caso polonês, só o futuro nos informará, rezemos para que a nação corresponda a este favor celeste. A cerimônia, a solenidade, a representatividade, o texto, a união do poder temporal e da Hierarquia num só movimento de religião mostram, lá permanecem vivas não apenas a convicção de que atitudes dessa magnitude dão especial glória a Deus, mas ainda a noção da enorme importância da ordem temporal cristã na salvação das almas. Ademais, evidencia adesão a seu passado cristão.

Sucedeu aqui uma santa insistência dos fiéis, merece ser posta em relevo. Em 2008, o Episcopado desestimulou como inadequada e desnecessária consagrar o País a Cristo-Rei, resistindo a justificados e reiterados pedidos. Com pano de fundo os ensinamentos tradicionais dos Papas, expostos em especial na Quas Primas de Pio XI, continuaram a campanha setores do Clero, do laicato, deputados católicos. Acabaram dobrando o Episcopado aderiu.

Em suma, os fatos autorizam esperanças de que no interior do Catolicismo polonês sopram ventos de restauração cristã, prenúncio de chuva criadeira. Rorate coeli desúper et nubes pluant Justum (derramai, ó céus, o vosso orvalho e as nuvens chovam o Justo). Nesse século carente de bons exemplos, temos aqui luminoso bom exemplo, belo presente de Natal.


domingo, 27 de novembro de 2016

O canalha translúcido

O canalha translúcido

Péricles Capanema

Fartei-me com a cobertura indecente, desproporcionada e gritantemente sintomática da morte de Fidel Castro. Ditirambos disparatados, análises tendenciosas, críticas suaves. Foram exceção palavras como a de Anna Cecília Malmström, Comissária Europeia do Comércio: “Fidel Castro foi um ditador que oprimiu seu povo por 50 anos. Muito estranho todos os elogios nas notícias de hoje”.

Estranho, mas não novo. Provém de mentalidade antiga, embebida de complacência com toda forma de esquerdismo, mesmo o mais extremista. Lembrei-me de crônica de Nelson Rodrigues sobre o embasbacamento subserviente de magotes da intelligentsia brasileira e da sociedade carioca em torno de Jean-Paul Sartre, o velho comunista, que visitou o Rio de Janeiro. O texto atualíssimo, profilático, é de 22 de abril de 1968: “De onde vem meu horror a Sartre? Foi numa conferência do mestre. Lembro-me de tudo. Conferência, ali, na ABI [...] Eu estava na sala superlotada. [...] Por mais estranho que pareça, eu não prestava a menor atenção ao conferencista. Mais que a palavra de Sartre, fascinou-me a cara dos seus admiradores. A cara! [...] A cara dos admiradores de Sartre merecia, sim, a folha de parreira. Homens e mulheres lambiam com a vista o filósofo. Por certo, há admirações nobilíssimas e outras que são abjetas. Naquela tarde, e naquela sala, eu só via admirações abjetas. [...] O meu horror a Sartre começou nos seus admiradores e, mais precisamente, começou na cara dos seus admiradores. Só posteriormente é que tratei de fazer uma revisão da obra sartriana. [...] Sua obra é todo um gigantesco julgamento dos valores de vida. Vamos também julgá-lo. Sartre recusou o Prêmio Nobel. Convém esvaziar tal renúncia de todo o falso patético, de todo pseudossublime. O filósofo não perdeu um tostão. Pelo contrário: — foi um gesto promocional de gênio e que serviu apenas para aumentar a sua bilheteria. [...] Argumenta o filósofo que o Prêmio Nobel foi concedido a Boris Pasternak. Mas quem é Pasternak? Diz ele: — “Um escritor que não é lido em sua própria terra”. Vejam: — “Um escritor que não é lido em sua própria terra”. Aí está o canalha, o límpido, o translúcido canalha Jean-Paul Sartre. Se disse isso, é um canalha (e o disse num claro e deslavado documento para o mundo). E repito: — de uma simples frase emerge todo o canalha. Vejam bem. Um crime contra a inteligência impediu que Pasternak fosse lido em sua própria língua. E Sartre está a favor do “crime” e contra a vítima. Pasternak é um poeta, um romancista, um pensador que o totalitarismo soviético havia de exterminar, até fisicamente. E Sartre não pinga uma palavra de compaixão sobre o assassinato de um artista. (Preciso falar também de um prodigioso documento. É um manifesto de Oitocentos intelectuais russos. E lá se faz também a excomunhão do autor em desgraça. Oitocentos intelectuais russos, Oitocentos canalhas.) Mas a miséria não para aí. Perguntem aos nossos intelectuais de esquerda: — “Vocês leram o que Sartre disse sobre o Pasternak?”. Ninguém leu, ninguém viu, ninguém sabe. O monstruoso documento saiu em todos os idiomas. E nós, que o lemos e o relemos, fingimos um pequeno, irrelevante, cínico lapso de memória. Agora mesmo vejo um telegrama de Moscou, que todos os jornais publicaram: — nove intelectuais russos foram julgados e condenados sumariamente. Imagino se esses também assinaram o manifesto contra Pasternak. Leiam os nossos próximos suplementos dominicais. Os nossos intelectuais de esquerda não vão exalar um mísero e tênue suspiro. É um crime contra a inteligência. Mas Jean-Paul Sartre disse, aqui, que a Rússia era “a Revolução”. E, como tal, tem todo o direito de enfiar na cadeia a canalha intelectual. [...] Nunca a inteligência se degradou tanto”.


No meio da geral louvaminha a Sartre no Brasil, Nelson Rodrigues teve a coragem singela de, com base em um fato, exprimir o óbvio ululante: o homem era um canalha translúcido. Até agora, de ninguém escutei o óbvio ululante: Fidel Castro foi um canalha translúcido. E entre a montanha de fatos para embasar o juízo lembro esses: foi tirano implacável, torturador de seu povo, lambe-botas de Kruschev e Brejnev; destruiu os sonhos de gerações de cubanos. No Brasil, esse amigo próximo do PT, do frei Betto e de gente assemelhada treinou e estimulou guerrilheiros que, na tentativa aloucada de impor ao povo brasileiro renitente a ditadura do proletariado, ceifaram a vida de militares e policiais heroicos, bem como de civis inocentes, hoje em geral dolorosamente esquecidos, tantas vezes com a memória injustamente escarnecida. Eu me associo enfaticamente à alegria dos cubanos exilados na Flórida, esperançosos com a perspectiva de Cuba regressar à trilha da liberdade, da prosperidade e harmonia social, da qual foi arrancada brutalmente há mais de 50 anos.

sábado, 26 de novembro de 2016

Verdades sobre a pós-verdade

Verdades sobre a pós-verdade

Péricles Capanema

Em 16 de novembro o Dicionário Oxford, publicação de enorme prestígio, divulgou a palavra do ano, pós-verdade (post-truth), utilizada 2000% mais vezes em 2016 que em 2015. Pós-verdade virou hit, vem sendo empregada nas mais diversas acepções. Em sua definição, o Dicionário Oxfort destacou “fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública que apelos à emoção ou à crença pessoal”. Convém analisar seu significado mais interno, o que vou fazer daqui a pouco.

“O uso da palavra aumentou muito em junho, com todo o frenesi do Brexit e das eleições nos Estados Unidos. Nos últimos tempos não houve sinais de que seu emprego venha a cair; não ficaria surpreendido se pós-verdade se tornasse uma das palavras que definem a nossa era”, observou Casper Grathwohl, presidente da Oxford Dictionaries.

Pós-verdade ser escolhida palavra do ano tem seu peso. Importa muito mais ser considerada símbolo de nossa era. Na política, no Direito, na literatura, na economia, o mais importante na prática era o que mais impressionava. Acontecia o seguinte, contudo: a verdade e a objetividade ainda impressionavam muito. Hoje nem tanto, afirma a comissão escolhida pelo Dicionário Oxford e muitos a acompanham na mesma opinião. Congruentemente, subiu o peso da emoção, da fantasia, das ideias preconcebidas, das obsessões, até dos xodós e das birras na hora de pensar, decidir e aderir. A grande barreira contra o absurdo na vida privada e pública é a racionalidade. Enfraquecida, escancara-se a porta para todo tipo de loucuras.

Resumindo, a era da pós-verdade traz consigo, fato agora reconhecido e confessado, o definhamento da relevância da verdade e da objetividade na vida privada e pública. Não surpreende, cada vez mais comum, pouco interesse pela verdade, importância crescente das  emoções na vida privada e pública.

A promessa do iluminismo, que embaiu multidões, foi, a razão, soberana, iluminaria o mundo. A seguir se disseminou no Ocidente o positivismo, espécie do gênero racionalista, reivindicou a importância do fato verificável pelos instrumentos da ciência experimental. Desvalorizou o restante do conhecimento humano. Também seduziu multidões sem número ao longo das décadas. O mundo da pós-verdade vira as costas para o racionalismo e o positivismo. Anacrônicos, Descartes, Kant, Voltaire, Diderot, Comte. Durkheim, tantos outros, deslizam rumo à irrelevância. A nova situação dá origem que que nos Estados Unidos se chama de post-truth politics ou post-fact politics, política pós-verdade ou política pós-fato.

O fenômeno foi agravado pelas redes sociais. Com menos instrumentos de controle, ali existe espaço amplo para todo tipo de discurso e informações, mesmo os mais disparatados. Podem circular sem contestação eficaz enxurradas de inverdades, exageros, invenções. Barack Obama aludiu ao fenômeno ao tentar justificar a derrota de sua candidata. Para ele, Donald Trump sabe se mover no novo meio, “ecossistema em que fatos e a verdade não importam; você atrai a atenção, desperta emoções; você pode surfar essas emoções”.

Na era da pós-verdade, cada grupo tem seu conjunto de crenças, desinteressa-se do restante. Cresce a fragmentação social, generalizam-se as pessoas fechadas em pequenos círculos de interesses, ideológicos, sociais, econômicos. Em tal clima o debate se torna virtualmente inútil. Colin Crouch, cientista político inglês, cunhou o termo pós-democracia, com realidade próxima e ameaçadora. Indica a situação em que formalmente existe a democracia, há eleições e mudanças de governo, mas não mais sua base, a contenda real de ideias. De forma análoga, a pós-verdade, ambiente largamente apático à verdade, nos arrastará à pós-democracia.

O processo tem raiz antiga nas paixões desordenadas e na falta de ascese intelectual. Ausente a temperança, abundam as paixões em tumulto, desorientam as inteligências vagabundas. Ninguém nega, sempre foi possível utilizar a mentira para influir os espíritos e governar as pessoas. Os exemplos estão aí aos milhões, no Brasil e no mundo todo. Da História, pinço dois. Luís 14 jamais afirmou: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu). A frase falsa tem sido manejada com relativo êxito contra ele e o Antigo Regime. Maria Antonieta nunca observou: “S'ils n'ont pas de pain, qu'ils mangent de la brioche” (Se não têm pão, comam brioche). Vibradas contra ambos e as cortes em que viviam, elas e outras armas de difamação fizeram enorme estrago. O alarmante é o agravamento da apatia frente à verdade, reconhecido e confessado por corifeus da modernidade. Fatos e afirmações absurdas se tornaram mais fáceis de divulgar e, potencialmente, com efeitos mais devastadores.


Para finalizar, até mesmo pós-verdade pode ter esse uso. Muita gente tem garantido, o triunfo do não no plebiscito colombiano, a vitória do Brexit e o êxito de Trump só foram possíveis porque já vivemos num generalizado clima de pós-verdade. É análise simplista e deformadora. Mas o espaço acabou; o tema fica para eventual artigo futuro. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

União pela desunião

União pela desunião

Péricles Capanema

No momento em que a América espanhola se esfacelava em dezenas de repúblicas, a sensatez da Casa de Bragança (dom João VI e dom Pedro I) assegurou a unidade nacional, debaixo de uma só coroa. Mesma língua, mesmo povo com três sangues principais, o branco, o negro e o índio, religião largamente predominante, facilitavam a coesão. Desde o Império, deixo de lado o que antes possa ter ocorrido, contudo, proliferaram agremiações separatistas, sob diferentes razões. A Constituição de 1988 virtualmente fechou a porta a seu êxito. Reza no artigo 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”. Contudo, voltaram a se manifestar. Julgam que, mesmo no presente quadro institucional, existe brecha para legalmente dividir o Brasil em vários países independentes.

O Estadão de 13 de novembro anunciou, está sendo fundado o partido Aliança Nacional, cujo objetivo é abrigar sob o mesmo teto as entidades separatistas. Seu presidente é o prof. Flávio Rebello que também preside o São Paulo Livre. Já aderiram ao novo partido, além do São Paulo Livre, O Rio de Janeiro é o Meu País, o Grupo de Estudo e Avaliação Pernambuco Independente – GEAPI, Roraima é o Meu País, Espírito Santo é o Meu País. Separatistas de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Ceará podem seguir o mesmo caminho. O Sul é o Meu País (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) recusou formar parte, acha prematuro.

Pelas contas do prof. Rebello, o partido estará constituído em 2018, lançando candidatos em 2020. “Vamos trabalhar para ter prefeitos, governadores e principalmente deputados federais e senadores”, garante ele. Com base em bancadas fortes, propaganda e utilização hábil da legislação existente, espera tornar viáveis plebiscitos em que o povo decidirá se fica ou não no Brasil. Conta com o êxito já em 2032, centenário da Revolução Constitucionalista. Continua imaginando: “Em São Paulo, será um partido de direita ou de centro-direita. No Rio, provavelmente, será uma legenda de centro-esquerda”. De outro jeito, a orientação da legenda, local, vai depender do gosto do freguês. Seu programa, uma repactuação federativa, valorizará o poder local em relação ao nacional (mais autonomia para os Estados) e nova distribuição dos impostos.

Sou contra o separatismo, não acho que tenha chances sérias de triunfar no futuro previsível, mas não é sobre separatismo que quero falar. Pretendo comentar, ainda que rapidamente, assunto mais importante, as razões mais ativas que hoje alimentam o sentimento separatista.

O prof. Rebello enuncia a principal delas para os separatistas próximos a ele em São Paulo: “Quem derrubou a Dilma foi São Paulo”. Dilma foi eleita em 2014 com 54.501.118 contra 51.041.155 de Aécio (vantagem de 3.459.963). Em São Paulo Aécio teve 15.296.289, Dilma 8.488.383 (vantagem de 6.807.906). Se tirarmos São Paulo, a vantagem de Dilma sobre Aécio no Brasil sobe para 10.267.869. No espírito dos separatistas avultam imagens de um Estado operoso, responsável por um terço do PIB brasileiro que, contra sua vontade largamente majoritária, viu se assenhorarem do poder (de fato nele continuar) hordas famintas de incompetentes e corruptos com a cabeça lotada de ideias demolidoras, enraizadas no socialismo marxista. O movimento São Paulo Livre nasceu ali, desejava se livrar de um fator de atraso, o Brasil acorrentado ao PT.

Luís Cláudio Jesus Silva, presidente do Roraima é o Meu País reclama que seu Estado “está cansado de pagar as contas sociais do País”. Em Roraima, área de 224.299 km2, população por volta de 500 mil, existem cerca de 50 mil indígenas registrados. Suas terras (as reservas) cobrem 104.018 km2 (aproximadamente 1 habitante por 2 km2; no Estado de São Paulo vivem por volta de 180 habitantes por km2, 360 vezes mais). A mais das reservas indígenas, Roraima tem terras da União e áreas destinadas à preservação ambiental, cuja soma total deixa 9,9% do território livre para ser explorado por seus habitantes desejosos de crescer. Diante do disparate arrogante e impenitente, o Luís Cláudio e tantos outros roraimenses perderam a paciência. Só querem virar as costas e ir embora da federação.

O carioca Gabriel Moreira, presidente de O Rio é o Meu País, emenda: “A forma como a Federação confisca os valores referentes aos royalties do petróleo é exemplo de como o carioca é prejudicado por fazer parte do Brasil”. Quanto à repartição dos impostos, a queixa, comum, existe Brasil afora. O centralismo atravancador da mal chamada federação (tem pouco de instituições e práticas federativas) faz com que governadores e prefeitos (e quanto mais pobres, pior) se transformem em pedintes de verbas federais; e, como auxiliares, despachantes na prática, deputados e senadores de suas regiões. Centralização, intervencionismo, faces da mesma doutrina asfixiante, inimiga da sociedade civil atuante até o limite de suas competências naturais. Faz falta a aplicação ampla do princípio de subsidiariedade.


Moral da história. O socialismo e doutrinas conexas, fatores ativos de desagregação, precisam ser combatidos na teoria e nos efeitos deletérios. Seriam revigorados fatores de coesão nacional num caminho de harmonia e paz social.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Esperança e preocupação

Esperança e preocupação

Péricles Capanema

Antes de cavar mais fundo, quero destacar alguns dados relativos às últimas eleições norte-americanas. Parte deles não é definitiva, mas está próxima dos resultados finais. Em 2012, a participação do eleitorado foi de 58,6%; em 2016, 55,6%, a menor desde 2004. País de mais de 325 milhões, cerca de 219 milhões estão aptos a votar, dos quais 146 milhões se registraram; o resto não se interessou. Em 2014, forem eleitos 247 deputados republicanos. Em 2016, maioria ainda mantida, 239 em 435, total de parlamentares na Câmara de Representantes. Naquele mesmo ano, a maioria republicana no Senado era de 54 a 44. Agora será de 51 a 47 (100 senadores no total). Nos plebiscitos, em 8 de novembro também, sobre o consumo da maconha para fins recreativos ou terapêuticos, realizados em nove Estados, só Arizona votou contra liberá-la para emprego recreativo (52,1%). A favor, Califórnia (55%), Nevada (53%), Massachusetts (53%) e Maine (50,2%). A favor da utilização terapêutica, Flórida (71%), Montana (59%), Dakota do Norte (54%), Arkansas (53%). No Colégio Eleitoral, vitória sólida de Donald Trump (290 a 232, faltam ainda 16 votos). Na votação popular, Hillary Clinton teve (até agora) 61.035.460, Donald Trump 60.367.401 (a democrata vence por 668.059, 47,8% a 47,3%). Mit Romney em 2012 teve 60.933.504.

Vistos os números acima, não se percebem acontecimentos novos de grande impacto eleitoral. O que leva a supor, por algum motivo, fenômenos já enraizados podem ter sido decisivos na vitória de Donald Trump. E que haja superficialidade quando se restringem as causas ao chamado populismo de direita, com seus ataques às elites (forte nota anti-Establishment), aos imigrantes, à globalização. E logo relacionar fortemente o fenômeno com o Brexit, com situações de traços próximos na França, Turquia, Hungria, também em boa parte analisadas com estereótipos deformantes. De passagem, a indicação de Reince Priebus, presidente do Comitê Nacional do Partido Republicano, para chefe da Casa Civil, salienta quanto de artificial havia na nota anti-Establishment da campanha.

Coloco o holofote em fatos empurrados para a sombra. Em 17 de agosto Donald Trump demitiu Paul Manafort, chefe de campanha, cuja linha de propaganda pode ser resumida numa de suas declarações: “Como meu pai, Trump compreende os americanos trabalhadores. A mágica de sua campanha foi se conectar com as frustações que existem hoje nos Estados Unidos”. Era a ênfase na raiva do homem branco, de pouca instrução, penando no desemprego ou ameaçado por ele. O dirigente foi substituído por Kellyanne Conway, conhecida líder do movimento Pro-Life. Ela mudou o rumo, salientou valores tradicionais da família americana, em especial a recusa ao aborto. Nunca antes o candidato republicano se havia destacado na defesa de tais valores. No último debate, Trump afirmou: “Sou pro-life e indicarei juízes pro-life para a Suprema Corte. Talvez três”. O candidato falou do horror do aborto até mesmo em gestantes com nove meses de gravidez. A respeito desta última possibilidade, defendida por partidários de Hillary Clinton, a candidata  evitou se posicionar. Quanto ao restante foi clara ali no debate e em outras ocasiões, iria promover a liberalização do aborto e outras pautas da agenda libertária, como casamento homossexual.

A maioria dos analistas minimiza três pontos na derrota de Hillary Clinton: legalização do casamento homossexual, generalização do aborto, proibição do porte de armas. Realço ainda o medo que eleitores conservadores tinham de que para a Suprema Corte fossem indicados três juízes alinhados com as posições de Hillary Clinton. Dos nove membros, hoje atuam oito; faleceu o juiz Scalia, em geral conservador. Dois juízes de tendências liberais estão próximos da saída: Ruth Bader Ginsburg, 83, e Stephen Breyer, 78. Três membros novos da Suprema Corte com boa orientação geral podem frear muito da desagregação social promovida por poderosas correntes libertárias nos Estados Unidos. Foi esperança que animou muita gente. Em suma, houve um despertar conservador na última fase da campanha. A virada repercutiu fundo nos votos do Colégio Eleitoral, surpreendendo a imensa maioria da imprensa.

Brasil. A América do Sul não é prioridade da nova administração. Não digo América Latina, digo América do Sul. México, Cuba, situações políticas na América Central estão sempre no radar dos políticos em Washington.

O Brasil será prioridade se, no estradão certo, caminhar por longos anos para se colocar à altura de seu destino natural. Para isso, será preciso ordenar o apavorante ensino básico, médio e universitário. A respeito, nas várias pesquisas internacionais sempre ficamos na rabeira. E ainda melhorar a infraestrutura, reformar a legislação fiscal, previdenciária, trabalhista, diminuindo o “custo Brasil”, estimulando investimentos. O intervencionismo socialista trava nosso crescimento há décadas. Voltando a crescer na estabilidade o país será tomado a sério pelos Estados Unidos.

Protecionismo e isolacionismo, duas tendências, sempre recorrentes na história norte-americana, e não prejudicam apenas o Brasil. Ameaçam o futuro livre do Ocidente. Diversas declarações de Donald Trump pagam preocupante tributo a eles. O quadro toma cores mais sombrias com a anunciada aproximação a Vladimir Putin e Xi Jinping. É impossível não se lembrar de Yalta. Ali, os chefes de governo dos Estados Unidos, Rússia e Inglaterra, respectivamente Roosevelt, Stalin e Churchill, reuniram-se para decidir o fim da guerra e repartir zonas de influência. Com base no que se combinou naquele balneário e no espírito que de lá emanou, a Rússia comunista consolidou seu império de vergonha e expandiu conquistas.

O temor agora é retraimento dos Estados Unidos e, coerente, nova repartição de zonas de influência, agora entre três atores: Washington, Pequim e Moscou. Ângela Merkel certamente teve tal preocupação em mente quando enviou recado a Donald Trump: “Sabemos que o presidente foi eleito em eleições justas. [...] Os Estados Unidos têm uma enorme força militar e são responsáveis por tudo o que acontece no mundo. Os norte-americanos decidiram que nos próximos anos essa responsabilidade estará a cargo de Donald Trump. A Alemanha e os Estados Unidos compartilham valores, democracia, liberdade, respeito pelos direitos humanos, dignidade. Nessa base, ofereço cooperação ao futuro Presidente dos Estados Unidos”. Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, foi mais contundente; advertiu que o Ocidente enfrenta seu maior desafio de segurança em uma geração: “Caminhar sozinho não pode ser uma escolha, nem para os Estados Unidos, nem para a Europa”. É hora de fortalecer o que “une”, sob “forte liderança norte-americana”.

Não duvido, o premiê japonês gostaria de enviar recados parecidos. Donald Trump prometeu abandonar a TPP (sigla em inglês de Trans-Pacific Partnership, Parceria Transpacífico) nos primeiros 100 dias. Ela inclui Estados Unidos da América, Japão, Canadá, México, Peru, Chile, Cingapura, Austrália, Brunei, Malásia, Nova Zelândia, Vietnã. Já anunciaram interesse em dela participar Coreia do Sul, Taiwan, Colômbia, Indonésia, Filipinas e Tailândia. As declarações podem ter sido mero foguetório de campanha. Contudo, se suceder vácuo comercial no Pacífico decorrente do isolacionismo, um país o preencherá rapidamente: China.


Hora de vigilância. Deus queira, no fim, o caminho seguido pelos Estados Unidos esteja em harmonia com as responsabilidades universais manifestadas, uma vez mais, com a fundação da NATO em 4 de abril de 1949 o que, por contraste, naquela ocasião evidenciou o caráter destruidor do espírito de Yalta.

sábado, 12 de novembro de 2016

Sem palavras

Sem palavras

Péricles Capanema

De 3 a 5 de novembro foi realizado no Vaticano o 3º Encontro Mundial de Movimentos Populares. O primeiro foi ali, o segundo na Bolívia, o terceiro voltou a ter lugar no Vaticano. O Papa Francisco encorajou-os e deles participou com o discurso de encerramento. Agora, segundo afirmam documentos oficiais, reuniu delegações de 67 países. São, de fato, movimentos de extrema esquerda do mundo inteiro. Sobre o último encontro, declarou João Pedro Stédile, dirigente máximo do MST, presença destacada nessas reuniões, que ali iriam discutir formas de combater “a democracia burguesa hipócrita” e a “a apropriação privada dos bens comuns da natureza”. Esclareceu ainda que o principal instrumento teórico do movimento para aumentar a consciência é a encíclica Laudato Sì do atual Pontífice. Não custa lembrar, em 2014 o líder do MST confessou, “nós, marxistas, lutamos junto com o Papa para parar o diabo”

O encontro no Vaticano aprovou, “em diálogo com o Papa Francisco”, 41 moções das quais abaixo relaciono nove:

1. “Repudiamos os abusos de direitos humanos e assassinatos que a Polícia comete em diversos Estados dos Estados Unidos. [...] Repudiamos o genocídio contra os jovens negros brasileiros”. A Polícia brasileira praticaria genocídio contra negros.
2. “Repudiamos a ruptura da democracia no Brasil e o complô midiático presidencial-congressual que deu origem a um golpe de Estado institucional para impor um programa de governo que reduz os direitos dos trabalhadores”. Dispensa comentários.
3. “Denunciamos o Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, Brasil, que determinou a desocupação forçada de 8 mil famílias das comunidades da região de Izidora Rosa”.
4. “Manifestamos nossa solidariedade aos delegados dos movimentos populares da Venezuela, os quais apoiam a mediação do Papa Francisco, e reclamamos o fim dos ataques à ordem constitucional”. De outro modo, apoio ao governo Maduro, ativo promotor da ditadura e fator principal da miséria e da fome sofridas pelos pobres na Venezuela.
5. “Denunciamos a grave situação dos presos políticos em vários países, {...], Porto Rico, Espanha, Turquia, Estados Unidos”. Silêncio revelador e vergonhoso sobre a situação dos presos políticos em Cuba, Venezuela, Coreia do Norte.
6. “Pedimos ao Papa Francisco que se manifeste contra o sistema THAAD na Coreia do Sul, fator de tensão no nordeste da Ásia”. Esse sistema militar antimíssil é contra a possibilidade de ataque por mísseis da Coreia do Norte comunista, que há pouco explodiu uma bomba atômica. Nem uma palavra sobre a bomba atômica do regime comunista de Pyongyang.
7. “Condenamos o emprego de venenos agrícolas produzidos e controlados por Bayer/Monsanto, Sygenta, Chemical, Du Pont, Steel Quinoa, multinacionais que envenenam os alimentos no mundo. A ChemChina, estatal do governo comunista chinês, caminha para ser a maior produtora mundial de agrotóxicos. É uma gigantesca multinacional presente em 120 países. Tem vendas de aproximadamente 40 bilhões de dólares anuais. Nem uma palavra contra ela.
8. “Basta de desocupações de camponeses. A terra é de quem a trabalha”. Antigo slogan dos agitadores comunistas. Quando no poder, a terra era coletivizada e ficava nas mãos do Estado.
9. “Expressamos nossa solidariedade com a Escola Nacional Florestan Fernandes, a escola de formação latino-americana do MST, que foi atacada pela polícia no Brasil.”

O Papa Francisco, como disse, encerrou o encontro. Aproveitou para reiterar sua proximidade com os participantes: “Neste terceiro encontro nosso expressamos a mesma sede de justiça, e o mesmo clamor: terra, teto e trabalho para todos”. Estimulou estruturas de apoio: “Obrigado aos bispos que vieram acompanhando vocês”. O suporte episcopal no mundo inteiro, é claro, não existiria outra fosse a atitude da Santa Sé. A estes movimentos especializados na subversão e na agitação social o Papa Francisco qualifica de “poetas sociais”, por razão surpreendente, encadeiam criativamente grandes e pequenas ações. Não quis deixar dúvidas: “Felicito-os, acompanho-os, peço-lhes que continuem abrindo caminho e lutando. Isso me dá força, isso nos dá força”. Quem não conhece, o velho programa desses movimentos, invariavelmente, onde foi aplicado, levou à tirania e à miséria. Foi o maior flagelo dos pobres ao longo do século 20. E teve sempre uma nota anticristã, expressa em medidas libertárias e tantas vezes em perseguição religiosa? Hoje existe algum pobre fugindo para Cuba? Para a Coreia do Norte? Para a Venezuela? Milhões e milhões de pobres do mundo estão fugindo para os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra.

Esbofeteado pela realidade, estou sem palavras. Edmond Rostand imagina no L’Aiglon o reencontro de Maria Luísa com o filho, a quem pede perdão. O duque de Reichstadt reza: “Meu Deus, inspirai-me a palavra profunda e entretanto leve, com a qual um filho perdoa à mãe”.


É do que todos precisamos: palavras filiais, respeitosas e profundas que desvelem a realidade inteira. Uma primeira constatação: chocado com repetidas atitudes de favorecimento aos lobos, o rebanho está se isolando do Pastor.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Cristandade

Cristandade

Péricles Capanema

Cristandade, realidade esquecida, enterrada, até vilipendiada. O progressismo a abomina, tantos católicos, mesmo de boa orientação, substituem o termo por outros, temerosos de empregar anacronismo não mais aceito, nem sequer tolerado em certos círculos. Na Grécia antiga pela pena do ostracismo o cidadão era expulso do convívio de seus pares. Cristandade parece tê-la sofrido. Fale dela em seus círculos, qualquer deles, vão torcer o nariz. Deveria ser o contrário.

Expressa realidade luminosa. No paganismo, as duas ordens, espiritual e temporal, confundiam-se. Na Cristandade, a ordem temporal e a ordem espiritual, distintas, são harmônicas. Duas passagens do evangelho de são João expressam tal realidade: “Meu reino não é desse mundo; se o meu reino fosse desse mundo, certamente que os meus ministros haviam de se esforçar para que eu não fosse entregue aos judeus”. Logo a seguir: “Tu o dizes, sou rei. Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade, todo o que está pela verdade, ouve a minha voz”.

Ao Velho Continente (excluo a Rússia cismática) a Cristandade ia imprimindo um rumo de autêntica civilização, de liberdade e progresso, em que pese carências, erros e até crimes em muitos de seus propugnadores. A Europa tudo deve a ela. Foi dinamitada. A Revolução Protestante, a Revolução Francesa e, finalmente, a Revolução Comunista reduziram a cacos a Cristandade. Mas ficou um imorredouro rastro de luz, saudades em toda parte da doçura de vida, respeito e elevação que, tantas vezes apenas germinativamente, começavam a reger a Europa inteira.

Vitorioso, o laicismo proclamou a ruptura entre a ordem espiritual e a ordem temporal. No começo, blasonou liberdade, isenção, Igreja livre num Estado livre. Hoje, cada vez mais, revela a face intolerante, fundamentalista e totalitária. Quer encantoar as manifestações religiosas ao interior dos lares ou às sacristias. À espera de sufocá-las por completo. Nada na vida do Estado, das empresas e das escolas poderia manifestar convicções cristãs. Nem um singelo crucifixo nas paredes.

Por que digo tudo isso? Por que me encantei com inesperados ecos de Cristandade. Pedro Pablo Kuczynski, presidente do Peru, em 21 de outubro, diante de deputados, senadores, da Presidente do Congresso, de figuras representativas da economia e da educação, consagrou o País ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria: “Eu, Pedro Pablo Kuczynski, presidente da República do Peru, com a autoridade que me foi outorgada, faço um ato de consagração da minha pessoa, minha família, aqui presente minha esposa, da República do Peru ao amor e proteção de Deus Todo Poderoso pela intercessão do Sagrado Coração de Jesu e do Imaculado Coração de Maria. Coloco em suas mãos amorosas meu governo com todos seus trabalhadores e cidadãos que estão sob minha responsabilidade. Ofereço a Deus Todo Poderoso meus pensamentos e decisões como presidente para que os utilize para o bem de nosso país e quero sempre estar consciente dos Dez Mandamentos ao governá-lo. Pela intercessão do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria peço a Deus que escute e aceite meu ato de consagração e cubra nosso país com sua proteção especial. Ao fazer esta oração, peço a Deus perdão por todas as transgressões que cometi no passado, todas que foram feitas no passado da República e por todas as decisões que foram tomadas contra seus mandamentos e Lhe peço ajuda par mudar tudo o que nos separa d’Ele. Eu, Pedro Pablo Kuczynski como presidente da República do Peru declaro este juramento solene diante de Deus e os cidadãos de nosso país hoje, 21 de outubro de 2016.

Pouco dias antes, em 2 de outubro, Pedro Pablo Kuczynski havia condecorado a uma freira carmelita de clausura, madre María Soledad de Nuestra Señora de Guadalupe com uma das distinções mais importantes do Peru, a Orden al Mérito por Servicios Distinguidos. À irmã Soledad. espanhola que vive há mais de 50 anos no Peru, o Presidente disse: “Outorgo-lhe esta ordem ao mérito no grau de comendador por seus serviços à Cristandade, ao Peru, e por tudo o que por nós fez”. A freira respondeu: “Agradeço-lhe [...] para que o reino de Cristo avance”. A alta condecoração a uma humilde freira de clausura merece estar no mesmo olhar que analisa a consagração.

Tradición y Acción, valoroso e meritório movimento peruano, em análise bem fundamentada e corajosa, pediu ao Presidente coerência com seu ato. Tem razão, a consagração, para ter inteiro valor, precisa expressar a intenção reta do coração e o propósito firme de agir segundo ela. E admito que o Presidente, pelo menos em parte, foi movido em seu ato por uma efetiva exigência de setores da opinião do País, o que no povo revela vigoroso sintoma de fidelidade à Igreja.


Mas hoje eu queria falar é de outra coisa. Atos assim, provenientes de sua mais alta autoridade, por exemplo, nunca aconteceram no Brasil, motivo de tristeza perene para nós. Décadas atrás, e em especial no século 19, ocorreram em numerosos países, mas a pressão do ambiente moderno os eliminou. Por imposição do laicismo sulfúrico com a conivência satisfeita do progressismo, hoje inexistem. Sucederam no Peru, ecoaram, lembram Cristandade. Tudo o que lembra Cristandade merece registro.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Nova CPI da FUNAI e do INCRA: os tumores precisam ser lancetados

Nova CPI da FUNAI e do INCRA: os tumores precisam ser lancetados

Péricles Capanema

Repito, já disse em outras ocasiões, no Brasil nutrimos tumores de estimação; para piorar, tantas vezes com temor reverencial. Enquanto não tivermos deles o horror que uma pessoa saudável experimenta de abscesso no próprio intestino, o país permanecerá infectado.

Agora busco distante uma ilustração aterradora, em Uganda, centro da África, quase 250 mil quilômetros quadrados, perto de 40 milhões de habitantes, mais de 40% católicos. Agnes Igoye hoje é uma ugandense ativista, 44 anos. Sua vida começou horripilante, agredida por atavismos bárbaros. O pai, chefe de uma tribo da etnia Teso, na garupa de bicicleta levou a mãe através da selva, leões rondando a trilha, até um hospital, onde a menina nasceu no dia seguinte. Pelos costumes da etnia, não se comemora nascimento de menina. Mulheres que não concebem meninos podem ser devolvidas às famílias e o dote dado por elas cobrado por maridos insatisfeitos. Situações dantescas de tumores de estimação.

Na família, Agnes Igoye foi, em fileira, a terceira menina. A tribo queria um garoto para herdar a chefia do pai. Este, contudo, formação católica, outra mentalidade, não se importava, gostava muito das filhas. Teve ainda dois meninos. “Meu pai era o filho mais velho do chefe da tribo e herdou as terras e a liderança do meu avô. Como foi educado na escola da missão católica, tinha uma visão diferente da dos demais. Era contra algumas tradições como, por exemplo, a poligamia. Rompeu com os costumes, educou os filhos de forma ocidental. Todos fizemos faculdade. Meu pai também se recusou a receber dinheiro ou bens em troca de suas filhas para casá-las”.

Agnes Igoye fala sobre sua experiência: “As lembranças mais duras de minha vida estão relacionadas ao Exército de Resistência do Senhor (ERS). [O Exército de Resistência do Senhor chegou a ter 60 mil crianças em sua frente de batalha]. Eram guerrilheiros cruéis. Eu era adolescente, tinha 13 ou 14 anos quando o ERS atacou minha vila. Meu pai não queria abandonar os Tesos naquela situação. Mudou de ideia quando soube que estavam sequestrando as meninas. Fomos morar em um convento, também em Pallisa, que servia de abrigo para refugiados. Recomeçamos a vida do zero”.

Em Uganda continua a existir o dantesco tráfico de meninas. Agnes Igoye hoje treina funcionários para identificar traficantes de pessoas, capacitou cerca de dois mil. Pelo jeitão, ela já desconfia. Relata o trabalho: “Quando terminei a escola, fui estudar ciências sociais. Comecei a trabalhar como agente na Imigração. Uma vez um homem estava tentando atravessar a fronteira. Decidi detê-lo, foi intuitivo. Ele era membro do ERS, procurado por matar mulheres e crianças”. No outro dia, descobriu mulheres que seguiam o chefe do ERS. Pediu para serem tratadas como vítimas: “Quando meus superiores me perguntaram como os identificava, falei sobre gestos, atitudes e maneirismos. Respondi-lhes que poderia treinar outros para fazer o mesmo. Fui então nomeada gerente de treinamentos. A partir daí, passei a treinar policiais para detectar suspeitos”.

Agnes aponta o objetivo do trabalho: “Na África, há todo tipo de tráfico de pessoas. Os criminosos atraem as vítimas com promessas de emprego. Pagam a viagem delas e depois cobram a quantia, dizendo que vão descontá-la do salário. Dizem, então, que as vítimas não estão rendendo. Há ainda o tráfico de órgãos, de crianças para adoção, para sacrifícios religiosos, e de meninas e meninos para servirem aos guerrilheiros. Trabalhamos em uma campanha pelo fim do tráfico infantil em Uganda. A ideia é informar a população. Como muitas comunidades não têm rádio nem televisão, levamos vítimas resgatadas nas escolas, para contarem o que houve aos alunos. São relatos de trabalho e casamento infantil (legais no país), crianças usadas como soldados nos conflitos. O método funciona. Em 2013, resgatamos por volta de 800 pessoas, o dobro do ano anterior”.

Por que a África acolhe tal abominação, que faz jorrar na memória o plangor de Castro Alves? “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade. Tanto horror perante os céus?!” A razão, simples e trágica, está na tumoração social, são costumes selvagens vistos com apatia onde dominam e deveras no mundo todo. Houvesse horror lá e alhures, nada disso aconteceria. Recordo, tais crimes persistem em parte como chaga social, em boa parte por decorrência de descolonização imprudente e utópica, capitaneada pelas esquerdas de vários matizes.

Terminou a ilustração, agora o Brasil, exponho escândalo tumorigênico de décadas, na raiz causas aparentadas com as africanas, enraizados e péssimos atavismos. A Câmara dos Deputados vai instalar, segunda vez, a Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e do INCRA. A primeira, boicotada, teve fim melancólico em agosto último, sem relatório final. A CPI foi criada em outubro de 2015 para investigar supostas irregularidades na demarcação de terras indígenas e quilombolas, além dos conflitos agrários e a relação das entidades do governo federal com ONGs. A lista não deixa dúvidas, estamos diante de focos de agitação, roubalheira, incompetência e malbarato de recursos públicos. Fatores de empobrecimento, torram montanhas de dinheiro do contribuinte, que poderia ser utilizado para educação, saúde, geração de empregos. O normal seria despertarem horror.

Leitor, um teste. Você pode estar em qualquer lugar do Brasil. Procure o assentamento da reforma agrária mais próximo. Qualquer um, novo ou velho, existe esta loucura no Brasil há mais de 30 anos. Tente entrar e dar um passeio sem estar acompanhado por ninguém do MST ou da CPT. Provavelmente, não vai conseguir, são áreas vigiadas. Se conseguir, observe com seus próprios olhos a situação dos assentados, converse com eles, sem ninguém do MST, CPT ou INCRA por perto. Nem de gente indicada por eles. Aí você perceberá a realidade tétrica, ocultada cuidadosamente. Vá lá, faça você mesmo o teste. Terra indígena demarcada? Mesma coisa. Pergunte a quem conhece o que está acontece hoje na Raposa Terra do Sol. São tumores de estimação.


E, repetindo os mesmos mantras, defendendo o indefensável, continua a farândula de CNBB, MST, CPT, CIMI, partidos de esquerda, girando em torno da vítima, o Brasil. Que a CPI tenha lucidez e coragem para lancetar o pus. E, por fim, não deixe de aprofundar o que, na primeira vez, declarou o general Guilherme Theóphilo, até há pouco comandante militar da Amazônia: existem clandestinos dez mil hectares plantados de coca na Amazônia, ademais de exploração de muitos minérios valiosíssimos, ilegalmente enviados para o Exterior.

domingo, 23 de outubro de 2016

Até quando? Até quanto?

Até quando? Até quanto?

Péricles Capanema

Nove de setembro último, desrespeitando proibição do Conselho de Segurança, a Coreia do Norte fez seu quinto teste nuclear, o maior deles. Os três mísseis lançados caíram na zona econômica exclusiva do Japão, o que foi sentido pelos japoneses como ameaça direta para a segurança do país. Lembrando, zona econômica exclusiva é a faixa situada além das águas territoriais, cerca de 370 quilômetros de largura. As águas territoriais têm aproximadamente 22 quilômetros. Ou seja, os três mísseis caíram a menos de 400 quilômetros das costas nipônicas.

Poucos dias antes, em comício em Des Moines, Donald Trump, o candidato republicano, repetiu o que já vem garantindo em várias ocasiões: “Vocês sabem, temos um tratado com o Japão. Quando o Japão for atacado, somos obrigados a usar todo o poder e força dos Estados Unidos. Se nós formos atacados, o Japão não precisa fazer nada. Os japoneses podem ficar sentados em casa vendo TV Sony. Certo?”. E foi adiante: “Disseram-me que o Japão paga 50% do custo das tropas norte-americanas lá. Por que não fazê-lo pagar 100%?

Donald Trump já havia trombeteado a respeito da presença militar dos Estados Unidos no Japão: “Não estou disposto a continuar perdendo essa dinheirama. Francamente, é o caso, eles que se protejam contra a Coreia do Norte”. De momento, os Estados Unidos mantêm 54 mil soldados no Japão e 28 mil na Coreia do Sul.

Inquirido a respeito, Shinzo Abe, o prestigiado primeiro-ministro, comentou diplomaticamente: “Não importa quem seja o próximo presidente dos Estados Unidos, a aliança nipo-norte-americana continuará a ser a pedra fundamental da diplomacia japonesa”.

O quadro fica mais carregado com as recentíssimas declarações do Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas, em visita oficial a Pequim: “Anuncio minha separação dos Estados Unidos, tanto militar, quanto econômica. Os Estados Unidos perderam. E talvez eu vá à Rússia falar com Putin. São três contra o mundo: China, Rússia e Filipinas”. Aliada histórica e próxima dos Estados Unidos, a República das Filipinas tem por volta de 100 milhões de habitantes; mais de 12 milhões de filipinos vivem no Exterior.

A política norte-americana do pós-guerra teve dois pilares fortíssimos, até agora intocados: no Oriente, aliança com o Japão; no Ocidente, aliança com a Alemanha. Os dois países renunciaram a parte essencial de sua defesa, deixando-a nas mãos da mais poderosa nação da Terra, num primeiro momento, compelidas, em razão da derrota; depois, confiadamente. Recordo um fato simbólico. Na Berlim dividida pelo muro e ameaçada pelo Pacto de Varsóvia, em 26 de junho de 1963, diante da multidão que o aclamava, John Kennedy pronunciou o mais retumbante discurso da Guerra Fria: “Há dois mil anos não havia frase que se dissesse com mais orgulho do que civis romanus sum. Hoje, no mundo da liberdade, não há frase que se diga com mais orgulho: ich bin ein Berliner.” E prometeu, louvando o espírito batalhador de Berlim Ocidental, de voltar sempre que necessário. Nunca iria deixar amigos na chuva. Era assim que os Estados Unidos entendiam seus compromissos com as duas nações.

Mais de 50 anos depois, pensemos agora no japonês que foi criado sob o espírito da aliança sino-norte-americana e escutou desnorteado o que Donald Trump repetidas vezes disse com aplauso de correligionários e silêncio em amplos setores democratas. É claro, sente fratura grave no “pacta sunt servanda”. Outro título para o artigo: se vira.

Escrevo a menos de vinte dias da eleição nos Estados Unidos. Ainda haveria tempo para os dois candidatos e os futuramente eleitos para as duas Casas do Congresso reafirmarem princípios da política exterior norte-americana em relação ao Oriente. Tenho lá minhas dúvidas.

É inevitável que no espírito do imaginado japonês do parágrafo acima irrompa torrencial: “Ainda somos os antigos amigos? Até quando os Estados Unidos caminharão conosco? Até onde os Estados Unidos nos apoiarão? Qual o futuro de nossa aliança? Diante de nós, temos, com bomba atômica na mão, um inimigo potencial, gigantesco, a China. E dirigido por um amalucado recalcado, também com a bomba atômica na mão, nos ameaça um nanico enfurecido, a Coreia do Norte. Frente a qualquer um deles, teremos um dia de escolher entre a derrota ou a destruição”?


A crescente sensação de insegurança no Japão (observando a China e a Coreia do Norte, além de mirar com suspicácia seu antigo aliado, as Filipinas) tornará mais influentes os que defendem a mudança imediata do artigo 9 da Constituição, o que permitiria enorme aumento da força militar, participação em ações militares no Exterior e fazer frente à ameaça nuclear. Muita gente lá vai achar (já está achando), chegou a hora de defender-se com as próprias mãos, ter também para defesa própria a bomba atômica, já que podem se abaixar as mãos fortes que até agora nos defendiam. Em resumo, o Extremo Oriente balança. Confiança é como copo de cristal. Trincado, fica difícil recompor.