segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Aécio tenta arrumar a casa

Aécio tenta arrumar a casa

Péricles Capanema

O Estadão de 11 de outubro último publicou entrevista de arrumação da casa do senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB. O líder tucano começa confessando, a oposição enérgica contra o petismo da última campanha não foi a primeira escolha dos dirigentes partidários. Achavam eles, alguma coisa mais boazinha cairia melhor no goto do público: “Foi uma campanha que começou com um discurso até sedutor de terceira via, que é até algo adequado e razoável”. Terceira via, vejam só, aproveitar o melhor dos dois lados, tererê, tererê, um meio termo entre a política petista e o quê? Claro, o fantasma do neoliberalismo. Erraram feio, o povo, nada seduzido, queria outra coisa, nitidez e rumo contra o que estava no poder. Virou as costas, a campanha ameaçava ir a pique. Aí mudaram rápido o tom, o eleitorado gostou, começou a dar ouvidos. Aécio é cândido: “A dinâmica da campanha [...] e as circunstâncias políticas permitiram que o PSDB voltasse a falar com a sociedade”. De outro jeito, não estava conseguindo falar antes. Evitaram assim fiasco eleitoral e saíram da campanha como a grande força oposicionista, tendo no bolso o tantas vezes decisivo argumento do voto útil.

Parece que no início adiantou pouco a retificação de rota. O uso do cachimbo faz a boca torta; parte boa dos tucanos de proa perde eleitorado, mas não perde o vezo, a recaída foi rápida. Um sintoma importante foi a declaração de Serra em Harvard, abril último: se ufanava de estar “mais à esquerda que o PT”, a quem chamou de “reacionário”. Outro sintoma, FHC, começo de agosto, em declarações divulgadas pela agência Deutsche Welle, mimava Lula. Tem “muitos méritos”, história pessoal “impressionante”, “é um líder popular”. E trotou alegre na política de preservação: “Não se deve quebrar esse símbolo, mesmo que fosse vantajoso para o meu próprio partido”.

Políticos mais jovens do PSDB sem o vezo dos velhos aliados das políticas vermelhas, precisando urgentemente de voto para consolidar a carreira, reagiram vivamente; se for para ganhar eleições, não dava para continuar com namoricos suicidas na frente de um eleitorado que exigia de forma crescente energia contra os desmandos da esquerda no Brasil. Aécio de novo (já apagou esse fogo algumas vezes nas últimas semanas) entrou em campo para rearrumar as tropas e declarou na mencionada entrevista: “O PSDB resgatou a polarização. É o grupo político em condições de encerrar o ciclo perverso do PT”. Polarização deixou de ser nome feio, ficou até bonito. Foi além, reiterando denúncia gravíssima: “Nós não disputamos contra um partido político, disputamos contra uma organização criminosa que se apoderou do Estado e estabeleceu um terrorismo”.


Os tucanos vão continuar caminhando nessa direção? Sei lá. Sei apenas que corresponde ao que exige um eleitorado exasperado, onde, no meio de ebulição emocional, cada vez mais deitam raízes as posições de princípio. Parece que agora muitos dirigentes tucanos se deram conta, se quiserem ser, com chances eleitorais, o grupo político em condições de encerrar o presente ciclo perverso, precisam deixar de fumar o cachimbo da paz com as esquerdas. O eleitorado está achando muito feia essa boca torta.

sábado, 17 de outubro de 2015

Prêmio Nobel de Literatura começou bem!

Prêmio Nobel de Literatura começou bem!

Péricles Capanema

Svetlana Alexandrovna Alexievich, surpresa para todo mundo, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015. Quase ninguém por aqui tinha ouvido falar dela. Rápidos dados da nova celebridade mundial: 67 anos, nasceu na Ucrânia, foi criada na Bielorrússia (Belarus), vive lá. Estudou e trabalhou no mundo comunista, chegou mesmo a ser perseguida. Como se vê, apanhou e quem sabe por isso são animadoras declarações suas, novas e antigas, que agora circulam.

Começo por esta: “Conheço bem aquele homem vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”. De outro jeito, o fracasso não mudou convicções e mentalidades de milhões. Endurecidos, vão dar um perigoso e demorado adeus. Chamo a atenção para a mentalidade quando menos de raiz esquerdista, amplíssima, encharca não só países da antiga Cortina de Ferro, está enraizada no Ocidente. Pessoal deste naipe, simplificador para falar o mínimo, acontece pensar pouco, mas ter impressões assim: “No peito de quem luta pela igualdade bate coração de carne, quem não a aceita é gente do coração duro. A dó dos pobres leva a simpatizar pelo menos com alguma forma de socialismo”. Com base nesse estado de espírito, lá e cá, a esquerda tem chão para tentar repetir a dose. Está tentando, e os resultados serão os de sempre: tirania e miséria.

Svetlana explicou: “Ao longo de setenta anos, uma nova espécie humana foi criada nos laboratórios do marxismo-leninismo: o homo sovieticus. Alguns acreditam que é um personagem trágico; outros o chamam de sovok. Conheço esta pessoa, conheço-a muito bem, vivi ao lado dela por muitos anos. Sou eu, é a gente que conheço, amigos, familiares”.

Sovok, gíria russa, tem acepções várias, em geral depreciativas, mas hoje designa correntemente o tipo humano criado no regime comunista. Svetlana põe em relevo fato gravíssimo, a tentativa de criar um tipo humano novo, uma nova espécie humana foi criada nos laboratórios do marxismo-leninismo. A meta, o homem novo da utopia comunista, libertário e igualitário. No total deu errado, mas ficaram sequelas, pústulas psicológicas.

Outra de Sevtlana: “Respeito o mundo russo da literatura e da ciência, mas não o mundo russo de Stalin e Putin”. Aqui, foco diferente. Todos sabem, existem muitos conservadores mundo afora que sentem simpatias por Putin, considerado partidário da ordem, símbolo de sociedade moralizada. Ela não; quer distância dele. Fareja no projeto putinista a catinga do velho estalinismo, opressão, coletivismo, imperialismo grão-russo. Mais um ponto para ela.

Ainda uma estocada de Svetlana, agora em Aleksander Lukashenko, presidente de Belarus, comunista da velha guarda, no poder desde 1994. Foi desferida quando Bruxelas se prepara para suspender as sanções contra o país. Advertiu ela que o ditador não é confiável: “A cada quatro anos novos líderes europeus chegam ao poder e pensam que vão poder resolver o problema de Lukashenko, desconhecendo que ele não é um homem digno de confiança”.

Lukashenko foi reeleito domingo 11 de outubro com impressionantes 83,49% dos votos para um quinto mandato (taxa de participação 86,755), padrão latino-americano para ninguém botar defeito, coisa muito especial mesmo, de fazer inveja até a chavistas, petistas e kirchneristas. Na segunda, os ministros das Relações Exteriores da União Europeia (UE) acordaram suspender as sanções. De qualquer maneira, no meio das comemorações da reeleição, sabe lá Deus como a conseguiu, e da atitude boazinha da União Europeia, Lukashenko recebeu no rosto a chicotada do novo Prêmio Nobel de Literatura.

Um pulo para o passado. Em abril de 1959, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou em Catolicismo o ensaio Revolução e Contrarrevolução, que viria a ser seu principal trabalho ideológico. Cinquenta e seis anos atrás acautelava: “As multidões ignoram o chamado comunismo científico, e não é a doutrina de Marx que atrai as massas. Uma ação ideológica anticomunista deve visar, junto ao grande público, um estado de espírito muito difundido, que dá amiúde aos próprios adversários do comunismo certa vergonha de se voltarem contra este. Procede tal estado de espírito da ideia, mais ou menos consciente, de que toda desigualdade é uma injustiça [...]. Daí nasce uma mentalidade que, professando-se anticomunista, entretanto a si mesma se intitula, frequentemente, socialista. Esta mentalidade, cada vez mais poderosa no Ocidente, constitui um perigo muito maior do que a doutrinação propriamente marxista. [...] Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinquenta ou cem anos seria comunista”.

Não só sessenta anos separam as palavras. Muita coisa mais certamente separa Svetlana e o dr. Plinio. Contudo, une-os aqui ponto inestimável, um olhar sem ilusões sobre o perigo do comunismo: “Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinquenta ou cem anos seria comunista. Conheço bem aquele homem vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”.

Verdade escamoteada, o comunismo real fracassou dos chinelos ao chapéu, continua viva a mentalidade que leva a ele. O homem vermelho não desapareceu; nem o rosado de matizes vários.


Em 1848, Marx e Engels no manifesto comunista proclamavam: “Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot”. Naquela época, a frase era mais recurso propagandístico que realidade atemorizante. Hoje, adaptando o texto, certa razão eles têm: um espectro ronda o mundo. O homem vermelho, seu estado de espírito e mentalidade, não desapareceu. Não exorcizado tal espectro, tem energia para arregimentar milhões e até virar o jogo, postas circunstâncias especiais. Nem precisa ir muito longe, basta olhar o Brasil, quantos espectros perambulam ativos por aqui.

domingo, 11 de outubro de 2015

Melgarejo de terninho

Melgarejo de terninho

Péricles Capanema

Mariano Melgarejo tomou o poder por golpe de Estado e presidiu a Bolívia de 1864 a 1871. Morreu assassinado em Lima naquele ano. Na série para esquecer dos caudilhos latino-americanos, ninguém foi tão primário. Por suas atitudes disparatadas, uma atrás da outra, virou o símbolo do que o caudilhismo poderia produzir de mais danoso e desmoralizante.

Corta. Tente imaginar a origem das palavras a seguir(quem sabe já saiba, aí perde a graça): “Até agora, até agora, a energia hidroelétrica é a mais barata. Em termos do que ela dura, da sua manutenção e também pelo fato da água ser gratuita. I da genti podê istocá. Cê, o vento podia sê isso também, mas ocê num conseguiu ainda tecnologia pra istocá vento. Então se a contribuição dos outros países, vamos supô que seja, desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica istocá, ter uma forma docê istocá, porque o vento ele é diferente em horas do dia, então vamos supô que vente mais à noite, cumé queu faria pra istocá isso. Hoje nós usamos as linhas de transmissão, cê joga de lá pra cá, de lá pra lá, pra podê capturá isso, mais si tivé uma tecnologia desenvolvida nessa área, todos nós nos beneficiaremos, o mundo inteiro”.

Trecho de peça humorística, em que algum cientista maluco explica sua última alucinação? Errou redondo. Capiau pavoneando erudição? Neca. Bebum potocando em bar? Wrong again. Pode desistir, se não sabe, não acerta.

Tirando o véu, faz parte da entrevista coletiva concedida pela presidente Dilma em Nova Iorque no último 27 de setembro. O resto não está lá muito distante disso. Ela, pelo visto, achou que estava dando o grande e desinibida fez a apologia da estocagem do vento, tecnologia salvadora que estaria por vir. Imagine o espanto divertido dos jornalistas. Não é a primeira vez, nem será a última em que a presidente, sem o cajado protetor do texto escrito por outros, deixará constrangidos os brasileiros. Quando é improviso ou resposta não ensaiada a perguntas, aparece logo a saraivada dos disparates, ditos em português de lógica e gramática estropeadas, que divertem os rieurs e envergonham o país.

Quanto às opiniões, Dilma, ─ invencivelmente primária, penoso e inevitável constatá-lo ─ na galeria dos presidentes latino-americanos vai passar como o exemplo mais característico do que a região em dois séculos apresentou de pior. Nada houve na América Latina que chegasse perto das bobagens que dispara a todo momento. Óbvio ululante, no âmbito das opiniões, Dilma Rousseff é o Melgarejo de terninho.

Hilário? Mais bem trágico, sintoma estridente do buraco no qual despenhou o Brasil, aspecto do aviltamento imposto pelo lulopetismo, no qual sobrelevam as granizadas sem fim de gente primária na direção do país, boa parte composta ladravazes contumazes. A consequência não é só a desmoralização da vida pública; o povo paga pelo desemprego crescente, carestia em aumento e pobreza cada vez mais ampla.

Nunca antes na história deste país foi assim. Deixo imerso nas brumas da História os quase sessenta anos de governo de dom Pedro II, respeitabilidade severa. Lembro outros. José Sarney teve noção viva da liturgia do cargo, FHC, intelectual conhecido, cercou-se de pessoal competente. Juscelino, boa cultura, estuante de vitalidade, despertava sonhos. Epitácio Pessoa, jurista de ar fino, parecia estar saindo de um baile de gala. Todos eles com correção representaram os interesses do Brasil. Quando falavam, e não era pelos cotovelos, diziam coisa com coisa, pelo menos. Agora? Sobrou a chacota divertida e o desprezo de fora. Pior, muitos de nós passamos a achar normal a convivência com o disparate.


Quem tem cabeça baralhada é porque, míope, vê confusamente a realidade; são olhos incapazes da amplidão e da agudeza. Daí necessariamente brotam juízos mirrados e atrapalhados. Cortando caminho, mesmo com as lições da tempestade em que meteu a administração, o governo Dilma tem alguma chance de dar certo? Nenhuma, é a resposta óbvia. Concluindo, ou a direção política do país acha urgente solução eficaz, benéfica para o povo, ou, impossível escapar, o futuro à frente terá mais agitação social e mais sofrimento, em particular dos menos assistidos. Deus tenha pena de nós.