terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Até o futuro não é o que foi

Até o futuro não é o que foi

Péricles Capanema

Andamos tão encalacrados que murchou a ilusão do futuro radiante; tem um lado bom, começa a aparecer mais claro um problema generalizado entre nós, o voluntarismo onírico. A fuga da realidade tem jogado o país seguidas vezes no fundo do poço. Seduzidos por miragens, que não era difícil perceber, elegemos Lula e Dilma, no total quatro vezes. E chapinhamos agora na bandalheira como sistema beirando perigosamente o totalitarismo. Existem atenuantes? Sim, o mais eficaz deles, as mentiras da última campanha impactando em especial os dependentes do Bolsa Família.

Recordo dois fatos de relevo em nossa história. Lá atrás, a novidade, espécie de bruxedo, já enfeitiçava; a República pôs para fora o Império. E logo o governo Deodoro da Fonseca aplicou uma política econômica, nos traços gerais igual à nova matriz econômica do governo Dilma: crédito farto sem lastro com o fito de gerar, artificialmente, crescimento. As consequências da gastança foram as de hoje, inflação, fuga de capitais, crise fiscal e dificuldades de pagamento da dívida pública. O encilhamento e na mesma ocasião a ditadura de Floriano desmoralizaram o lero-lero ufanista que havia acompanhado a proclamação da República. Campos Sales repôs a política econômica nos trilhos do realismo. O segundo, recaída ainda recente, a Nova República de 1985 praticou longamente o voluntarismo mais que onírico, delirante. Os políticos proclamavam eufóricos, estavam varrendo o entulho autoritário e aplicando medidas de salvação da pátria. O delírio rápido deixou sequelas graves: o país empacou, a inflação disparou; na década de 80 foi de 36.850.000%. Fora o resto; por exemplo, quem seguiu as votações na Constituinte se lembra do desparafusado artigo 192, o dos juros de no máximo 12% ao ano, posteriormente quase todo eliminado pela Emenda Constitucional nº 40. O Plano Real, algumas emendas constitucionais e leis de responsabilidade fiscal permitiram ao povo respirar. As doidices da nova matriz econômica aliada à incompetência e à ladroagem nos jogaram de novo no fundo do poço.

Existe o perigo de nova recaída? Basta observar a movimentação dos políticos que, sentindo o cheiro dos votos, deixam suas agremiações e se alistam na Rede Sustentabilidade (a pajelança nova, com nota desagregadora e libertária semelhante à do Podemos espanhol). E o novo partido, que nem quer ser chamado de partido, vai seduzindo multidões atrás de novidades. É sabido, a chefe, Marina Silva, cevada por décadas nas alas mais à esquerda do PT, sempre foi grã-xamã na difusão de sonhos demolidores. E vem aí o (ou a?) Raiz Movimento Cidadanista da deputada Erundina, mesmo descaminho.

Simplifico, trato só de um aspecto, fica mais fácil. O que pode fazer o Brasil deixar de ser eternamente o país do futuro, exprime-se em três palavras: aumento da produtividade. Em 1980, a produtividade do trabalhador brasileiro era 40% da existente nos Estados Unidos. Hoje, caiu para 24%. Produtividade influencia crescimento, salários, padrão de vida, competitividade, políticas sociais. Nenhuma vontade política substitui a criação de riqueza. Produtividade aqui é o Produto Interno Bruto dividido por trabalhador empregado.

Fator essencial para o aumento da produtividade é qualidade na mão de obra. A respeito, Renato Janine, ministro da Educação até outubro último, mostrou quadro aterrador: “Em 2014, dos alunos de terceiro ano do fundamental na escola pública do Brasil inteiro, isto é, meninos e meninas em torno dos 8 anos de idade, 22% não sabiam ler, 34% escrever e 57% não dominavam as quatro operações matemáticas. O problema é que, a partir do quarto ano, a escola vai tratá-los como se soubessem ler, escrever e fazer contas. Pensem nisso: três quintos das crianças não sabem calcular direito. Essa multidão terá um futuro profissional e pessoal limitado. O Brasil se dá assim ao luxo de descartar quase 60% dos seres humanos que poderiam ser bons profissionais e cidadãos informados. Tenderão a ficar numa segunda classe da sociedade. Alguns podem ser “salvos” depois. Mas, se não deu certo na hora certa, corrigir os danos mais tarde será caro e improvável”. Aponta causa determinante: “Um dos erros estruturais que o País cometeu foi descuidar da formação dos alfabetizadores. As antigas escolas normais, que eram estabelecimentos de ensino médio, formavam professoras alfabetizadoras. Na década de 1990, decidiu-se que professores da educação básica precisavam de graduação universitária, mas isso deixou a formação dos alfabetizadores em segundo plano. Hoje, precisamos fazer as correções na formação dos professores”. Ninguém vai fazer, infelizmente. A Pátria Educadora vive de sonhos.

Na mesma direção, os cursos de capacitação melhorariam a eficiência da mão de obra. Vejam a diferença. Hugo Braga Tadeu, da Fundação Dom Cabral, observa, em treinamentos de qualificação um americano recebe anualmente entre 120 e 140 horas. No Brasil, são 30 horas.

Além da qualificação da mão de obra, a produtividade seria favorecida por medidas como boa infraestrutura de transportes, inovação tecnológica, processos administrativos eficazes. Em outro plano, clima favorável aos investimentos, refletido na estabilidade dos contratos, garantias para a propriedade privada e livre iniciativa. O normal entre nós são inesperadas mudanças de rumo e seguidas loas ao estatismo. Faz pouco José Guimarães, líder do governo na Câmara declarou que “nesse momento o Brasil precisa de mais Estado e menos mercado". Imaginem o calafrio na espinha de possíveis investidores, aqui e lá fora. Não espanta, dos 121 países pesquisados pela respeitada instituição The Conference Board, sediada em Nova York, o Brasil, em produtividade, está na posição 81.

Por que afirmo, até o futuro já não é o que foi? Antes, em alta o ufanismo nacionalista, ouviam-se ditirambos a toda hora, somos o país do futuro, até modelo de civilização, pois temos povo cordato, grandes recursos naturais, clima bom, ausência de calamidades na natureza, grandeza territorial e ainda a beleza da terra. Coisas assim. Emudeceram, sintoma de maior disciplina mental e atenção crescente nas vantagens do esforço metódico.


Lembro comentário cáustico de Clemenceau, exato há mais de século: “Le Brésl est um pays d’avenir et qui le restera longtemps” Em tradução livre, o Brasil é país de futuro, ficará assim por muito tempo. Para desmenti-lo, urgente a renúncia ao voluntarismo onírico. Tem mais coisa, sei, mas acho útil destacar este ponto. “O início da sabedoria (no caso, do esforço inteligente e sistematizado) é o temor de Deus”, dirá alguém, falta isso. Corretíssimo. E acrescento, no capítulo, o autor sacro compara a sabedoria ao governo da mãe de família. Para o Brasil, seria grande começo o realismo dela. Feliz 2016!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Tinindo nos cascos

Tinindo nos cascos

Péricles Capanema

Quinta-feira passada, 17 de novembro, o Supremo definiu o rito do impeachment, decisão acolhida com satisfação pelo Palácio do Planalto. Destacou-se ali a dissidência lúcida dos ministros Gilmar Mendes, José Antônio Dias Toffoli e Luiz Edson Fachin. Dia seguinte, Gilmar Mendes fez gravíssimas considerações à Jovem Pan: “Lembra que eu tinha falado de cooptação da Corte? Imagine, diante desse quadro de grave crise de corrupção, nós vamos ficar fazendo artificialismos jurídicos para tentar salvar, colocar um balão de oxigênio em alguém que já teve morte cerebral. É claro, há todo um processo de bolivarização da Corte. Como se opera em outros ramos do Estado. Ontem, nós demos mostras disso”.

Dois pontos tocados pelo ministro: o Supremo está sendo cooptado; o outro, padece processo de bolivarização. Cooptar é tornar alguém cúmplice de ação comum; no caso do governo. Bolivarizar uma instituição é fazê-la agir como agem as instituições na Venezuela, na prática funcionários submissos do partido no poder. No caso, seria julgar como quer o PT e o governo.

Passo agora a outras declarações, também de ministro do Supremo, de momento na presidência. Em 2007, Ricardo Lewandowski, no auge do mensalão, falou por telefone com o irmão Marcelo; Vera Magalhães, repórter da Folha, ao lado dele, ouviu partes do diálogo. E publicou. A respeito da condenação dos petistas graúdos, Lewandowski afirmou: “A imprensa acuou o Supremo. Todo mundo votou com a faca no pescoço. A tendência era amaciar para o Dirceu”. Mesmo ele, o mais macio com os graúdos do PT, teria sido mais brando não fosse a posição dos meios de divulgação: “Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos”. Ia dar coices ainda mais favorecedores ao PT, claro. Ellen Gracie, na ocasião presidente do Supremo, ecoou em nota o mal-estar dos demais ministros: “O Supremo Tribunal Federal vem reafirmar o que testemunham sua longa história e a opinião pública nacional, que são a dignidade da Corte, a honorabilidade de seus ministros e a absoluta independência dos seus julgamentos”.

Em reta, o temor de Gilmar Mendes é termos, como na Venezuela, ministros do Supremo, tinindo nos cascos, dispostos a escoicear fatos, pessoas e leis para favorecer um partido no caminho da conquista totalitária do poder.

Já sofremos a bandalheira dos treze anos do petismo no poder. Na bolivarização. além de aumentar a corrupção, crimes piores se tornam comuns. Os Estados Unidos detiveram no Haiti um afilhado de Nicolás Maduro, Efraim, criado por sua esposa Cilia Flores e a Francisco Flores, sobrinho dela, quando transportavam quase uma tonelada de cocaína para os Estados Unidos. Efraim vivia com o casal Maduro. Os dois detidos disseram agir a mando de Diosdado Cabello (presidente da Assembleia Nacional) e de Tareck el Aissami, governador de Aragua. Na mesma direção, em maio último havia sido detida no aeroporto Mirian Morandy, juíza do Tribunal Supremo de Justicia (o Supremo de lá), quando tentava viajar com Richard José Cammarano James, traficante conhecido. A juíza foi libertada por ordem do governo. É o mundo da bolivarismo, com tentáculos América do Sul afora.

Tem mais. Toffoli, presidente do TSE, advertiu dias atrás: “Entre as nossas maiores preocupações, está a de que campanhas venham a ser financiadas por dinheiro oriundo de narcotráfico. Não há mais pessoas jurídicas doando para campanhas, mas nós sabemos que o mundo real busca suas alternativas". O temor é que, sem empresas doando oficialmente, aumente o caixa 2; e aí jorre o dinheiro do narcotráfico, pois as campanhas eleitorais continuam caras como antes. Nessa marcha, é o futuro nacional que assoma. E nele, o Brasil que não presta, tinindo nos cascos, vai escoicear o Brasil que presta, como a oposição hoje é agredida na Venezuela.


Tudo isso afirmo só com base na autoridade de Gilmar Mendes e Dias Toffoli? Valem muito, mas há outra, maior: a realidade. Os fatos nos apedrejam.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Nos Estados Unidos, rumo na preocupação; o Brasil perdeu o norte

Nos Estados Unidos, rumo na preocupação; o Brasil perdeu o norte

Péricles Capanema

Vejam a diferença. 16% dos norte-americanos consideram o terrorismo seu mais importante problema. A porcentagem sobe para 24% entre os republicanos, desce para 9% entre os democratas e fica em 15% nos independentes. É a mais alta porcentagem em uma década. Desde 2007, estava em menos de 10%, por vezes menos de 1%. 59% dos norte-americanos consideram provável um ataque terrorrista contra os Estados Unidos nos próximos meses. 41% acham que as ameaças terroristas contra os Estados Unidos aumentaram desde 11 de setembro de 2001. Em comparação com cinco anos atrás, 39% se sentem menos seguros. A confiança do povo no governo para protegê-lo do terrorismo é a menor desde que o Gallup começou a fazer a pesquisa. Com tal fundo de quadro, mesmo que desparafusadas, tornam-se pelo menos eleitoralmente compreensíveis declarações recentes do pré-candidato Donald Trump contrárias à entrada de muçulmanos nos Estados Unidos.

Os índices refletem em parte o impacto dos recentes atentados jihadistas em Paris e San Bernardino. Mas a imagem geral é de um povo que se sente agredido, olha com desconfiança o mundo, deseja rápidas e eficazes medidas de proteção. Em reta, um povo com rumo que na caminhada vislumbra preocupado um obstáculo perigoso; não se abate, quer vencê-lo, avança contra ele.

Virando a página; no Brasil, segundo o Datafolha, para 34% a corrupção é o principal problema. Na sequência, saúde (16%), desemprego (10%), educação (8%), violência (8%), economia (5%). A sensação dominante é outra. O brasileiro se sente estonteado pelo cenário macabro da vida pública, escuta a respeito propostas inviáveis e não percebe saída factível. As outras preocupações também são imediatas: saúde, desemprego, violência, educação. Os problemas, como cachorros bravos, o assaltam. A questão urgente é escorraçar a matilha, o resto fica para depois. Mas aí se avulta barreira na aparência intransponível: não sabe como. Sem norte, patina, receia sangrar com as mordidas. No curto, cenário de filem de terror: o brasileiro saiu da estrada, entrou num lamaçal, tem cachorros mordendo o calcanhar, não sabe como voltar para ela.


Na cena macabra, em galhos bem protegidos, tem gente orientando os perdidos na lama a continuar andando pântano adentro. Um exemplo triste, Kátia Abreu, ex-presidente da CNA e ex-líder da bancada ruralista no Congresso. Faz hoje o que pode pela permanência de uma estrutura de poder inspirada por ideólogos coletivistas, inimigos do homem do campo livre e produtivo. Outros, com conduta parecida: Armando Monteiro, Afif Domingos, Cláudio Lembo. O histórico de vida os qualificava a uma presença construtiva e nobilitante entre nós. Escolheram voltar as costas para o passado. Suas ações pretéritas hoje servem de lastro para função política degradante: companheiros de viagem. Sem inocentes úteis e companheiros de viagem não haveria caminhada para o estrangulamento do Brasil desejado pela imensa maioria de seus filhos. A primeira providência no lamaçal: cabeça fria, procurar com olho vivo o caminho de volta para a estrada. E não escutar quem está gritando das árvores, bem protegidos, que o rumo é pântano adentro.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

É sério, no Oriente Médio estamos esquecidos do katechon

É sério, no Oriente Médio estamos esquecidos do katechon

Péricles Capanema

São Paulo fala do katechon na 2ª carta aos tessalonicenses, realidade misteriosa, obstáculo a ser removido para tornar possível a vinda do Anticristo. Os exegetas disputam sobre o que seria o obscuro katechon. Uns afirmavam, seria o Império Romano, estrutura de defesa, cuja destruição abriria as comportas ao caos e possibilitaria a chegada do Filho da Perdição.

Sem título algum para meter o bedelho, reconheço, é conceito instigante, já inspirou pensadores de valor, em especial na Europa. O katechon me veio à mente quando lia horrorizado sobre o Estado Islâmico instalado em pedaços da Síria e do Iraque, seus atentados terroristas, carnificinas boçais, os homens-bomba, e as gigantescas ondas de refugiados que desesperados buscam a Europa. O caos, as matanças, a miséria crescente e sem fim, a mentira com ares de verdade, a desorganização de toda a vida, parecem criação de cenário para a chegada de um anticristo.

Por que tudo isso aconteceu? Foi isso, atinei: desprezaram o katechon. Calma, vou me explicar. O Império Romano, o único espaço de convivência civilizada no mundo antigo, rodeado de tribos bárbaras, afundou no gozo da vida, dissolveu-se, ruiu o katechon. Vieram as invasões e o caos na Europa. Foram séculos para se recompor.

A Europa das grandes potências, em especial Inglaterra e França, em acepção analógica, era o katechon do Oriente Médio, aqui está o ponto. Com a queda do Império Otomano e a inoperância do mandato francês e do inglês, aquela região se tornou presa dos demônios da desordem, como esteve a Europa quando caiu o Império Romano. Apareceram países novos, em boa medida construções artificiais de sonhadores desatentos de enraizadas realidades históricas. Apenas um exemplo, o Iraque moderno, criação inglesa. Só em 1932 teve a independência reconhecida. Veio um período de monarquia frágil, sucedida por ditadores sem escrúpulo. Saddam Hussein que o governou de 1968, como vice-presidente, e a partir de 1979 como presidente, foi o melhor exemplo do desamparo do Oriente Médio. Na repressão aos curdos, matou 180 mil pessoas; na repressão aos xiitas, 230 mil. A guerra com o Irã custou ao Iraque cerca de 400 mil mortos. Na Síria moderna, com independência reconhecida em 1946, só a repressão da cidade de Hama, ordenadaem 1982 por Hafez Assad, teve, dizem muitos, 40 mil mortos. Situações parecidas na Líbia, Irã, nas monarquias do Golfo Pérsico.

Tal caldo de cultura pestilento tornou possível, por alguns lados a bem dizer incoercível, o surgimento do Estado Islâmico, paroxismo incubado nos horrores que há décadas padecem os países do Oriente Médio.

E por quê? Aqui, o ponto a ressaltar. Em grande medida, são os frutos cruéis do utopismo humanitário dominante no Ocidente, em especial em seus setores bem escolarizados em escolas de má orientação. Nada mais cruel para a realidade que um utopista, obstinados mitomaníacos do sonho. Os fatos agridem as alegações supostamente idealistas.

Vamos recordar. Em primeiro lugar, a tutela da região, seja lá como foi feita, grosso modo esteve por séculos a cargo do Império Otomano. Vencido na 1ª Guerra Mundial, desintegrou-se. Cortando caminho, a tutela passou, por encargo da Sociedade das Nações, para a Inglaterra e França. Depois, aqui também simplificando, já sob a égide da ONU, deu-se ali a emancipação completa de vários países e, por anos sem fim, fatos dantescos em catadupa.

Que espírito presidiu no Ocidente a todas essas mudanças? Repito, desde a década de 20, o mais desarmado utopismo humanitário. Em vez da observação objetiva das circunstâncias, da análise sem romantismos dos fatores em jogo, foi dominante a proclamação irresponsável de princípios ditos generosos, cuja aplicação retilínea era dogmaticamente vista como solução genial. Um exemplo gritante está na Resolução 1514 da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960 contra o colonialismo. Vou pinçar algumas frases dela. “Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações pacíficas e amistosas baseadas no respeito aos princípios de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, idioma ou religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades”. Valia como panaceia universal de rápida aplicação. No Oriente Médio aconteceu exatamente o contrário: acabou a estabilidade, sumiu o bem-estar, desapareceram as relações pacíficas, não restou nada de amistoso na região, o fundamentalismo mais enlouquecido tomou o poder em boa parte dela.

“Convencida que a continuação do colonialismo impede o desenvolvimento da cooperação econômica internacional, dificulta o desenvolvimento social, cultural e econômico dos povos dependentes e age contra o ideal de paz universal das Nações Unidas”. A situação lá em geral não era especificamente colonial, mas tinha traços parecidos. E sucedeu aqui também o contrário: a independência completa trouxe o fim da cooperação econômica, dificultou o desenvolvimento social e cultural, e hoje ameaça a paz universal.


Paro por aqui. O epicurismo destruiu o Império Romano. O utopismo humanitário destruiu as salvaguardas sensatas que a sabedoria diplomática aconselharia no Oriente Médio, um processo gradual e seguro rumo à soberania plena, com respeito às peculiaridades existentes. E enfrentamos agora, lá o horror, cá a ameaça terrorista, tida pelos norte-americanos como seu mais grave problema.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Hipocrisia da Comissão Justiça e Paz

Hipocrisia da Comissão Justiça e Paz

Péricles Capanema

Em 3 de dezembro último a CNBB divulgou nota que envergonha os católicos brasileiros. Mais precisamente, a Comissão Brasileira Justiça e Paz, órgão dela. A manifestação degradante vai influir nos fatos? Tenho lá minhas dúvidas; de há muito a CNBB fala para grupelhos, se audodemole dentro do público católico por sua obsessão em favorecer a esquerda. A opinião largamente majoritária dos fiéis não tem na mais mínima conta tomadas de posição das Justiça e Paz, CIMI, Pastoral da Terra, agentes da desordem e do divisionismo, fortemente partidarizados, na prática linhas auxiliares do petismo extremado. À vera, a nota em questão ecoa as opiniões dos grupinhos da esquerda radical que desde a década de 50 aparelharam de forma crescente a CNBB e que continuaram dando as cartas nos longos anos dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI.

O título “Para onde caminha o Brasil?” tem resposta fácil: para o buraco, se deixarmos a CNBB influir em nossos destinos.

O texto começa censurando Eduardo Cunha por acolher o pedido dos advogados Miguel Reale, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo. Especifica: “A ação carece de subsídios que regulem a matéria” O charabiá quis dizer: a ação não tem base legal. Continua em dilmês castiço: “Conduzindo a sociedade ao entendimento de que há no contexto motivação de ordem estritamente embasada no exercício de política voltada para interesses contrários ao bem comum”. Traduzindo de novo, quis dizer: levando a sociedade a crer que a ação foi motivada por interesses contrários ao bem comum”. Com lastro em que afirma isso? Base em nada.

De pé o conselheiro Acácio aplaudiria esta passagem extraordinária: “O País vive momentos difíceis na economia, na política e na ética, cabendo a cada um dos poderes da República o cumprimento dos preceitos republicanos”.

Vai adiante, outra vez empregando construção estranha: “A ordem constitucional brasileira construiu [o normal seria apresenta, mostra] solidez suficiente”. A ordem constitucional construiu solidez: leitor, com toda simplicidade, alguma vez em sua vida você leu ou ouviu uma bobagem dessas? A nota dispara, sempre trotando no padrão tabajara: “O comando do Legislativo apropria-se da prerrogativa legal de modo inadequado”. Apropriar-se da prerrogativa constitucional, santo Deus! Quis dizer: Eduardo Cunha usa mal sua prerrogativa constitucional. Outra: “Auguramos que (...) o bem do país ultrapassem interesses espúrios”. O que significa o bem do País ultrapassar interesses espúrios? Nada, só mais uma mostra do padrão CNBB de qualidade. Vem mais, volta às carreiras o conselheiro Acácio: “Reiteramos o desejo de que este delicado momento não prejudique o futuro do Brasil”. Reiterar significa repetir. Não está repetindo nada. É a primeira vez que afirma essa obviedade.

O texto desagregador e partidário da CNBB conclui com chamado à união nacional, sem partidarismos. Para não perder o costume, mais uma vez esbofeteia o português com o “O espírito do Natal conclama entendimento e paz”, escorraçando a regência normal, conclamar alguém para.


Lógica? Zero. Português? Zero. Colaboração para o bem comum? Zero. Partidarismo: Dez. Divisionismo: Dez. Fanatismo: Dez. Hipocrisia: Dez.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Desnacionalização suicida

Desnacionalização suicida

Péricles Capanema

Nunca fui nacionalista; vejo com simpatia a presença de empresas estrangeiras entre nós. Mas o caso agora é outro. Em 25 de novembro último, o governo colocou à venda concessões por 30 anos para as usinas de Ilha Solteira. Jupiá, Três Marias, Salto Grande, vinte e nove hidrelétricas no total. Ganharam o leilão CEMIG (estatal), COPEL (estatal), CELG (estatal), CELESC (estatal), ENEL (forte presença do governo italiano) e THREE GORGES (estatal chinesa). A estatal chinesa ficou com 80% da energia e pagou R$13,8 bilhões pela outorga.

Vejam esta falácia lida por milhares, quem sabe milhões, ilustra como os meios de divulgação vêm tratando o caso: “Com os ativos recém-adquiridos, a CTG [China Three Gorges, a estatal chinesa] atinge capacidade instalada de 6.000 W, tornando-se a segunda maior geradora privada do país”. Privada, uma ova; é estatismo do pior, mais danoso que o estatismo brasileiro.

E agora mergulho em assunto sobre o qual não apenas a ignorância e o descuido, mas a covardia e até o temor reverencial emudecem as línguas. Quem tomou conta de boa parte da geração de energia no Brasil, à vera, foi um país totalitário e imperialista que caminha a passos gigantescos para ser a primeira potência do mundo. Vai chegar lá? Sabe Deus. E que, ponto que ninguém de bom senso nega, usa sem escrúpulos todos os instrumentos de que dispõe para impor seus objetivos. O que aconteceu em 25 de novembro não foi fato isolado, faz parte de política de longo alcance; grande parte do capital chinês investido no Brasil é estatal, controlado pela ditadura comunista. Imagine uma disputa comercial de uma estatal chinesa ─ tributos, mercados, preços, admissão e demissão de empregados, dumping, oligopólios e monopólios, sei lá mais o que ─ com o governo brasileiro. Pelo que estamos acostumados a ver, bastaria a ameaça de retaliação comercial do nosso mais importante parceiro internacional, por exemplo, cortar a importação de ferro ou carnes, perseguir empresas brasileiras instaladas na China, para Brasília piar fino.

Falando em pios, a esquerda não solta um pio a respeito desta gritante desnacionalização, que carrega no bojo potencial e gravíssima ingerência externa em assuntos internos. Essa mesma esquerda que esgoelava décadas atrás contra a Light, o chamado polvo canadense, e berrou contra as privatizações do período FHC (entrega de propriedade do povo ao capital estrangeiro), vê agora, silenciosa, o governo, entre outros motivos premido por terríveis problemas de caixa, se lançar às carreiras numa política suicida de desnacionalização.

Repito, o episódio das três gargantas que engoliram de uma só vez parte do potencial elétrico do Brasil não é isolado. As estatais chinesas estão ativamente comprando propriedades entre nós nas mais variadas áreas. Na década de 70 foi usual a palavra finlandização. A Finlândia havia perdido mais de 10% de seu território para a Rússia, quase 20% de seu parque industrial e, pelo temor do vizinho ameaçador e poderoso, acertava sempre o passo com Moscou, não importava o que fizessem os tiranos comunistas. Aquele antigo e civilizado país, formalmente soberano, de fato padecia uma forma larvada de protetorado.

Queiramos ou não, a mesma situação, ainda que incipiente, ocorre no Brasil. Com a enorme e cada vez maior presença econômica do Estado chinês entre nós, vai chegar o dia em que o país, em numerosos assuntos internos, vai ter diante de si potência mundial imperialista. E, se colocarmos como padrão como trata os governos esquerdistas e comunistas, facilmente imaginaremos a subserviência diante do poderio chinês.


Cortando caminho, vilmente protegido pelo mutismo da covardia e da cumplicidade, está em curso entre nós um processo que vai levar à perda efetiva da soberania nacional. No fundo do horizonte, terrível perspectiva, nos espera o protetorado envergonhado, mesmo que cuidadosamente disfarçado.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Aécio tenta arrumar a casa

Aécio tenta arrumar a casa

Péricles Capanema

O Estadão de 11 de outubro último publicou entrevista de arrumação da casa do senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB. O líder tucano começa confessando, a oposição enérgica contra o petismo da última campanha não foi a primeira escolha dos dirigentes partidários. Achavam eles, alguma coisa mais boazinha cairia melhor no goto do público: “Foi uma campanha que começou com um discurso até sedutor de terceira via, que é até algo adequado e razoável”. Terceira via, vejam só, aproveitar o melhor dos dois lados, tererê, tererê, um meio termo entre a política petista e o quê? Claro, o fantasma do neoliberalismo. Erraram feio, o povo, nada seduzido, queria outra coisa, nitidez e rumo contra o que estava no poder. Virou as costas, a campanha ameaçava ir a pique. Aí mudaram rápido o tom, o eleitorado gostou, começou a dar ouvidos. Aécio é cândido: “A dinâmica da campanha [...] e as circunstâncias políticas permitiram que o PSDB voltasse a falar com a sociedade”. De outro jeito, não estava conseguindo falar antes. Evitaram assim fiasco eleitoral e saíram da campanha como a grande força oposicionista, tendo no bolso o tantas vezes decisivo argumento do voto útil.

Parece que no início adiantou pouco a retificação de rota. O uso do cachimbo faz a boca torta; parte boa dos tucanos de proa perde eleitorado, mas não perde o vezo, a recaída foi rápida. Um sintoma importante foi a declaração de Serra em Harvard, abril último: se ufanava de estar “mais à esquerda que o PT”, a quem chamou de “reacionário”. Outro sintoma, FHC, começo de agosto, em declarações divulgadas pela agência Deutsche Welle, mimava Lula. Tem “muitos méritos”, história pessoal “impressionante”, “é um líder popular”. E trotou alegre na política de preservação: “Não se deve quebrar esse símbolo, mesmo que fosse vantajoso para o meu próprio partido”.

Políticos mais jovens do PSDB sem o vezo dos velhos aliados das políticas vermelhas, precisando urgentemente de voto para consolidar a carreira, reagiram vivamente; se for para ganhar eleições, não dava para continuar com namoricos suicidas na frente de um eleitorado que exigia de forma crescente energia contra os desmandos da esquerda no Brasil. Aécio de novo (já apagou esse fogo algumas vezes nas últimas semanas) entrou em campo para rearrumar as tropas e declarou na mencionada entrevista: “O PSDB resgatou a polarização. É o grupo político em condições de encerrar o ciclo perverso do PT”. Polarização deixou de ser nome feio, ficou até bonito. Foi além, reiterando denúncia gravíssima: “Nós não disputamos contra um partido político, disputamos contra uma organização criminosa que se apoderou do Estado e estabeleceu um terrorismo”.


Os tucanos vão continuar caminhando nessa direção? Sei lá. Sei apenas que corresponde ao que exige um eleitorado exasperado, onde, no meio de ebulição emocional, cada vez mais deitam raízes as posições de princípio. Parece que agora muitos dirigentes tucanos se deram conta, se quiserem ser, com chances eleitorais, o grupo político em condições de encerrar o presente ciclo perverso, precisam deixar de fumar o cachimbo da paz com as esquerdas. O eleitorado está achando muito feia essa boca torta.

sábado, 17 de outubro de 2015

Prêmio Nobel de Literatura começou bem!

Prêmio Nobel de Literatura começou bem!

Péricles Capanema

Svetlana Alexandrovna Alexievich, surpresa para todo mundo, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015. Quase ninguém por aqui tinha ouvido falar dela. Rápidos dados da nova celebridade mundial: 67 anos, nasceu na Ucrânia, foi criada na Bielorrússia (Belarus), vive lá. Estudou e trabalhou no mundo comunista, chegou mesmo a ser perseguida. Como se vê, apanhou e quem sabe por isso são animadoras declarações suas, novas e antigas, que agora circulam.

Começo por esta: “Conheço bem aquele homem vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”. De outro jeito, o fracasso não mudou convicções e mentalidades de milhões. Endurecidos, vão dar um perigoso e demorado adeus. Chamo a atenção para a mentalidade quando menos de raiz esquerdista, amplíssima, encharca não só países da antiga Cortina de Ferro, está enraizada no Ocidente. Pessoal deste naipe, simplificador para falar o mínimo, acontece pensar pouco, mas ter impressões assim: “No peito de quem luta pela igualdade bate coração de carne, quem não a aceita é gente do coração duro. A dó dos pobres leva a simpatizar pelo menos com alguma forma de socialismo”. Com base nesse estado de espírito, lá e cá, a esquerda tem chão para tentar repetir a dose. Está tentando, e os resultados serão os de sempre: tirania e miséria.

Svetlana explicou: “Ao longo de setenta anos, uma nova espécie humana foi criada nos laboratórios do marxismo-leninismo: o homo sovieticus. Alguns acreditam que é um personagem trágico; outros o chamam de sovok. Conheço esta pessoa, conheço-a muito bem, vivi ao lado dela por muitos anos. Sou eu, é a gente que conheço, amigos, familiares”.

Sovok, gíria russa, tem acepções várias, em geral depreciativas, mas hoje designa correntemente o tipo humano criado no regime comunista. Svetlana põe em relevo fato gravíssimo, a tentativa de criar um tipo humano novo, uma nova espécie humana foi criada nos laboratórios do marxismo-leninismo. A meta, o homem novo da utopia comunista, libertário e igualitário. No total deu errado, mas ficaram sequelas, pústulas psicológicas.

Outra de Sevtlana: “Respeito o mundo russo da literatura e da ciência, mas não o mundo russo de Stalin e Putin”. Aqui, foco diferente. Todos sabem, existem muitos conservadores mundo afora que sentem simpatias por Putin, considerado partidário da ordem, símbolo de sociedade moralizada. Ela não; quer distância dele. Fareja no projeto putinista a catinga do velho estalinismo, opressão, coletivismo, imperialismo grão-russo. Mais um ponto para ela.

Ainda uma estocada de Svetlana, agora em Aleksander Lukashenko, presidente de Belarus, comunista da velha guarda, no poder desde 1994. Foi desferida quando Bruxelas se prepara para suspender as sanções contra o país. Advertiu ela que o ditador não é confiável: “A cada quatro anos novos líderes europeus chegam ao poder e pensam que vão poder resolver o problema de Lukashenko, desconhecendo que ele não é um homem digno de confiança”.

Lukashenko foi reeleito domingo 11 de outubro com impressionantes 83,49% dos votos para um quinto mandato (taxa de participação 86,755), padrão latino-americano para ninguém botar defeito, coisa muito especial mesmo, de fazer inveja até a chavistas, petistas e kirchneristas. Na segunda, os ministros das Relações Exteriores da União Europeia (UE) acordaram suspender as sanções. De qualquer maneira, no meio das comemorações da reeleição, sabe lá Deus como a conseguiu, e da atitude boazinha da União Europeia, Lukashenko recebeu no rosto a chicotada do novo Prêmio Nobel de Literatura.

Um pulo para o passado. Em abril de 1959, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou em Catolicismo o ensaio Revolução e Contrarrevolução, que viria a ser seu principal trabalho ideológico. Cinquenta e seis anos atrás acautelava: “As multidões ignoram o chamado comunismo científico, e não é a doutrina de Marx que atrai as massas. Uma ação ideológica anticomunista deve visar, junto ao grande público, um estado de espírito muito difundido, que dá amiúde aos próprios adversários do comunismo certa vergonha de se voltarem contra este. Procede tal estado de espírito da ideia, mais ou menos consciente, de que toda desigualdade é uma injustiça [...]. Daí nasce uma mentalidade que, professando-se anticomunista, entretanto a si mesma se intitula, frequentemente, socialista. Esta mentalidade, cada vez mais poderosa no Ocidente, constitui um perigo muito maior do que a doutrinação propriamente marxista. [...] Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinquenta ou cem anos seria comunista”.

Não só sessenta anos separam as palavras. Muita coisa mais certamente separa Svetlana e o dr. Plinio. Contudo, une-os aqui ponto inestimável, um olhar sem ilusões sobre o perigo do comunismo: “Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinquenta ou cem anos seria comunista. Conheço bem aquele homem vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”.

Verdade escamoteada, o comunismo real fracassou dos chinelos ao chapéu, continua viva a mentalidade que leva a ele. O homem vermelho não desapareceu; nem o rosado de matizes vários.


Em 1848, Marx e Engels no manifesto comunista proclamavam: “Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot”. Naquela época, a frase era mais recurso propagandístico que realidade atemorizante. Hoje, adaptando o texto, certa razão eles têm: um espectro ronda o mundo. O homem vermelho, seu estado de espírito e mentalidade, não desapareceu. Não exorcizado tal espectro, tem energia para arregimentar milhões e até virar o jogo, postas circunstâncias especiais. Nem precisa ir muito longe, basta olhar o Brasil, quantos espectros perambulam ativos por aqui.

domingo, 11 de outubro de 2015

Melgarejo de terninho

Melgarejo de terninho

Péricles Capanema

Mariano Melgarejo tomou o poder por golpe de Estado e presidiu a Bolívia de 1864 a 1871. Morreu assassinado em Lima naquele ano. Na série para esquecer dos caudilhos latino-americanos, ninguém foi tão primário. Por suas atitudes disparatadas, uma atrás da outra, virou o símbolo do que o caudilhismo poderia produzir de mais danoso e desmoralizante.

Corta. Tente imaginar a origem das palavras a seguir(quem sabe já saiba, aí perde a graça): “Até agora, até agora, a energia hidroelétrica é a mais barata. Em termos do que ela dura, da sua manutenção e também pelo fato da água ser gratuita. I da genti podê istocá. Cê, o vento podia sê isso também, mas ocê num conseguiu ainda tecnologia pra istocá vento. Então se a contribuição dos outros países, vamos supô que seja, desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica istocá, ter uma forma docê istocá, porque o vento ele é diferente em horas do dia, então vamos supô que vente mais à noite, cumé queu faria pra istocá isso. Hoje nós usamos as linhas de transmissão, cê joga de lá pra cá, de lá pra lá, pra podê capturá isso, mais si tivé uma tecnologia desenvolvida nessa área, todos nós nos beneficiaremos, o mundo inteiro”.

Trecho de peça humorística, em que algum cientista maluco explica sua última alucinação? Errou redondo. Capiau pavoneando erudição? Neca. Bebum potocando em bar? Wrong again. Pode desistir, se não sabe, não acerta.

Tirando o véu, faz parte da entrevista coletiva concedida pela presidente Dilma em Nova Iorque no último 27 de setembro. O resto não está lá muito distante disso. Ela, pelo visto, achou que estava dando o grande e desinibida fez a apologia da estocagem do vento, tecnologia salvadora que estaria por vir. Imagine o espanto divertido dos jornalistas. Não é a primeira vez, nem será a última em que a presidente, sem o cajado protetor do texto escrito por outros, deixará constrangidos os brasileiros. Quando é improviso ou resposta não ensaiada a perguntas, aparece logo a saraivada dos disparates, ditos em português de lógica e gramática estropeadas, que divertem os rieurs e envergonham o país.

Quanto às opiniões, Dilma, ─ invencivelmente primária, penoso e inevitável constatá-lo ─ na galeria dos presidentes latino-americanos vai passar como o exemplo mais característico do que a região em dois séculos apresentou de pior. Nada houve na América Latina que chegasse perto das bobagens que dispara a todo momento. Óbvio ululante, no âmbito das opiniões, Dilma Rousseff é o Melgarejo de terninho.

Hilário? Mais bem trágico, sintoma estridente do buraco no qual despenhou o Brasil, aspecto do aviltamento imposto pelo lulopetismo, no qual sobrelevam as granizadas sem fim de gente primária na direção do país, boa parte composta ladravazes contumazes. A consequência não é só a desmoralização da vida pública; o povo paga pelo desemprego crescente, carestia em aumento e pobreza cada vez mais ampla.

Nunca antes na história deste país foi assim. Deixo imerso nas brumas da História os quase sessenta anos de governo de dom Pedro II, respeitabilidade severa. Lembro outros. José Sarney teve noção viva da liturgia do cargo, FHC, intelectual conhecido, cercou-se de pessoal competente. Juscelino, boa cultura, estuante de vitalidade, despertava sonhos. Epitácio Pessoa, jurista de ar fino, parecia estar saindo de um baile de gala. Todos eles com correção representaram os interesses do Brasil. Quando falavam, e não era pelos cotovelos, diziam coisa com coisa, pelo menos. Agora? Sobrou a chacota divertida e o desprezo de fora. Pior, muitos de nós passamos a achar normal a convivência com o disparate.


Quem tem cabeça baralhada é porque, míope, vê confusamente a realidade; são olhos incapazes da amplidão e da agudeza. Daí necessariamente brotam juízos mirrados e atrapalhados. Cortando caminho, mesmo com as lições da tempestade em que meteu a administração, o governo Dilma tem alguma chance de dar certo? Nenhuma, é a resposta óbvia. Concluindo, ou a direção política do país acha urgente solução eficaz, benéfica para o povo, ou, impossível escapar, o futuro à frente terá mais agitação social e mais sofrimento, em particular dos menos assistidos. Deus tenha pena de nós.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

O samba do crioulo doido

O samba do crioulo doido

Péricles Capanema

No último 23 de junho a presidente Dilma discursou de improviso na solenidade de lançamento dos Jogos Mundiais dos Povos indígenas. Bem-humorada e autêntica, deixou o Brasil aturdido e triste. A íntegra do discurso (áudio de 21 minutos e transcrição) está no portal da Presidência. Abaixo, trechos.

Pontapé inicial: “Então, eu vou começar comprimentando [a transcrição oficial sempre coloca caridosamente cumprimentar] os guerreiros que representam os povos indígenas aqui presentes, vou saudá-los a todos eles”.

Mais um pontapé, parecido primarismo de ideias e expressão, além do português estropiado: “Eu quero comprimentar o Marcos Terena, e perguntá prá vocês se vocês acreditam que alguém que conhece o Marcos Terena esquece dele, se é possível. Não é possível. Então, eu lembro perfeitamente”.

Do meio da parlenga vagante despenca de repente uma concepção pasmosa: “Aliás, nós num podemos falar só de cultura indígena, a gente teria de falá, no nosso hemisfério de uma civilização indígena. Houve aqui neste hemisfério uma civilização do porte da civilização hindu, da civilização chinesa, da civilização egípcia, da greco-romana, que foi a chamada civilização da Mesoamérica e também a civilização inca. Eu acredito que nós somos todos é, eu acho que herdeiros, daquilo que é a afirmação da civilização dos povos indígenas no nosso hemisfério”.

Morro abaixo no palavrório errático: “Sem deixar de comprimentar também aqui todas as lideranças indígenas nacionais e estrangeiras que participam do lançamento desse primeiros jogos que vão integrar, eu acredito, a agenda internacional, muito bem dita pelo ministro, primeiro da paz, foi em torno da paz que se recompôs aquilo que era tradição grega de transformar os jogos num momento de confraternização entre diferentes representantes das cidades gregas, e que nós, ocidentais e orientais e povos de todas os hemisférios, transformamos num momento especial, durante uma fase muito difícil por que passou o mundo, que foi no entreguerras.[Os primeiros jogos olímpicos se deram em 1896; o período entreguerras vai de 1918 a 1939.] Eu quero comprimentá aqui também o nosso governador Rodrigo Rollemberg, do Distrito Federal, e a senhora Márcia Rollemberg. Quero aproveitá imediatamente e comprimentá a senhora Cláudia Lelis, governadora em exercício do Tocantins. Tanto o governador Rollemberg como o Marcelo Miranda, aqui representado pela governadora em exercício, Cláudia Lelis, ambos estão participando dum ato de extrema relevância e de extrema importância, que vai marcá, eu acho, a história das etnias no mundo.”

A seguinte descoberta espetacular foi destinada aos diplomatas presentes: “Quero comprimentar também os senhores e as senhoras chefes de missão diplomática acreditados junto ao meu governo e relembrar a eles a importância do caráter internacional desses jogos, né? Um dos is, porque é o nosso COII, é o Conselho Olímpico Indígena Internacional, um dos is é a parte internacional”. Palmas no auditório. O que teriam pensado os diplomatas?

Nem o pobre governador envolvido entendeu a alusão na frase sem pé nem cabeça: “Não posso deixar de comprimentar o nosso governador do Piauí, Wellington Dias, que nós carinhosamente chamamos ‘o índio’ e que se caracteriza pelo fato de que todos nós sabemos que se ele pular uma janela é bom a gente pulá atrás, porque ele descobriu alguma coisa absolutamente fantástica”.

Continua comprimentando sem fim: “Quero fazer três comprimentos especiais: quero fazer um comprimento especial ao Hamilton de Holanda e à Margareth Menezes, mas também queria dirigir um comprimento todo especial ao nosso querido Marcos Frota, que fez a apresentação com aquela capacidade que ele sempre demonstrou, e aquela sensibilidade e dedicação que ele tem a todos aqueles que se interessam e lutam por melhorar a nossa sociedade e o nosso país”.

Agora, em dilmês castiço (expressão de Augusto Nunes) apresentação eufórica e desparafusada da função civilizatória da mandioca: “Eu acredito que é necessário que nós tenhamos muito orgulho da formação histórica deste país [...] nós temos de ter um imenso orgulho de na composição da nação brasileira nós sermos uma mistura de várias etnias. E aqui, hoje, nós estamos saudando uma delas: nós estamos saudando a etnia indígena [não é uma delas; quis dizer, etnias indígenas, povos indígenas ou nações indígenas] que trouxe para nós [...] Mas eu queria saudar, porque nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação. E aqui nós temos uma, como também os índios e os indígenas americanos [até hoje ninguém tinha se dado conta que os Estados Unidos, a eles se refere a douta Presidente, foram habitados outrora pelos índios e pelos indígenas; os apaches são índios ou indígenas?] têm a dele, nós temos a mandioca. E aqui nós estamos comungando a mandioca com o milho. E certamente nós teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje, eu tô saudando a mandioca. Acho uma das maiores conquistas do Brasil”. Mais palmas intensas no auditório, havia ultrapassado os próprios marcos anteriores de fulgor intelectual.

O palanfrório oferece a seguir o auge da elaboração teórica: “Aqui eu queria mostrar o que é a nossa relação antiga com o esporte. Aqui tem uma bola que eu passei o tempo inteiro testando. É uma bola que é uma bola que o Terena me presenteou e que eu vou levar, e ela vai durar o tempo que for necessário, e ela vem de longe, ela vem da Nova Zelândia. E é uma bola que eu acho que é um exemplo, ela é extremamente leve. Eu já testei e ela quica. Eu testei, eu fiz assim uma embaixadinha, minto, uma meia embaixadinha. Bom, mas eu acho que a importância da bola é justamente essa, o símbolo da capacidade que nos distingue como.. nós somos do gênero humano, da espécie sapiens. Somos aqueles que têm a capacidade de jogar, de brincar. Porque jogar é isso aqui: o importante não é ganhar e, sim celebrar. Isso que é a capacidade humana, lúdica, de ter uma atividade cujo o fim é ele mesmo, a própria atividade. Então, o esporte tem essa condição, essa benção. Ele é um fim em si e daí porque não é ganhar, é celebrar, é participar dos jogos indígenas. É participar celebrando o que significa essa atividade que caracteriza primeiro as crianças. Atividade lúdica de brincar, atividade lúdica de ser capaz de jogar. Então, pra mim essa bola é um símbolo da nossa evolução. Quando nós criamos uma bola dessas, nós nos transformamos em homo sapiens ou mulheres sapiens”. De novo, aplausos, agora tímidos. Dose forte demais, parece, até para áulicos.


E vai por aí afora. Ainda existem na mente presidencial, boiando à toa, nacos intoxicados das doutrinas totalitárias e coletivistas do VAR-Palmares, a mais de cacos mal digeridos de teorias keynesianas. Aqui e alhures, o mesmo padrão: afirmações disparatadas no meio de bolodórios sem costura minimamente concatenada de ideias. Desafortunadamente, não será a última vez que o povo, confrangido, escutará o que a mente presidencial tem de mais autêntico. Com piloto de cabeça assim desnorteada, nos últimos anos o Brasil teve, por mínima que fosse, alguma chance de norte?

terça-feira, 21 de abril de 2015

As apostas arriscadas do PT

As apostas arriscadas do PT

Péricles Capanema

Tarso Genro, ex-tudo, bamba do PT, chiou no twitter: “É constatação sobre decisão da Presidenta: PT está fora das decisões principais do Governo. Que são as de corte político e econômico. Outra constatação, para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo. Não é nem consultado para medida dessa envergadura.”

Tarso se queixava da entrega da política para Michel Temer e da economia para Joaquim Levy, sem o PT sequer ser consultado sobre as escolhas. É jogo de cena em especial para o público interno. De fato, o PT continua com a mão no leme, e sozinho, em áreas fundamentais. O experiente petista percebe, encantoado pelo amazônico inchaço da indignação popular, é vergonhoso ser petista hoje no Brasil, o governo se agarra nas duas boias para não afundar. Ou é isso, ou, pela força das coisas, o impeachment fica incoercível. Que me relevem a metáfora batida, entregou os anéis para não entregar os dedos.

Vai dar certo? Só Deus sabe. O petismo espera recompor a situação. As chances de aprovar o ajuste fiscal nas duas casas do Congresso melhoraram com a saída dos trapalhões e a entrada em cena de Temer. E está no forno uma rodada de concessões de atividades econômicas à iniciativa privada. Distende. Ainda por cima, no Congresso foram desativadas duas bombas. Uma, a CPI do BNDES no Senado, arquivada, e com ela, entre outras, a investigação dos escandalosos empréstimos a ditaduras comunistas como Cuba, ou já quase lá, como a Venezuela bolivariana e tiranias africanas (o BNDES alega segredo comercial para escapulir dos pedidos de esclarecimento). O Brasil, quebrado, torra dinheiro alto; bota grátis a grana preta na mão de ditadores de esquerda (os empréstimos nunca serão pagos, todo mundo sabe). Na Câmara, como reação, está em curso tentativa de desarquivar o espinhoso assunto; vamos ver no que vai dar. Outra, o arquivamento da CPI dos fundos de pensão das estatais, que investigaria aplicações bilionárias, no mínimo suspeitas, feitas pela cumpanherada neles encarapitada.

A receita trará num primeiro momento retração na economia, queda nos salários, crescimento do desemprego. Daqui a alguns meses, tudo indica, virão melhoras no emprego e na renda. E, por sua banda, Temer tem condições de evitar danos irreparáveis no Congresso. Com isso, é a esperança dos dirigentes petistas, o partido salva o possível do incêndio e mantém vivas suas chances para 2016 e 2018. De outro jeito, Lula ou um substituto voltam a ser competitivos, o PT pode eleger alguns governadores e prefeitos, ademais de bancada federal numericamente respeitável. Os maiores responsáveis pela virada? Na primeira fila, Levy e Temer. Um pouco atrás, os que os acolitam nesse trabalho que leva à recomposição da popularidade e estufa a cesta de votos, em particular figuras de passado direitista como Kátia Abreu e Guilherme Afif, agora na melancólica posição de companheiros de viagem. Líderes assim continuam aceitos pelos seus por apresentarem uma contrapartida: tiram do papel e atendem certas reivindicações antigas. E assim, na superfície, favorecem as causas sempre defendidas por eles. Em profundidade, com a desorientação que causam, dissolvem resistências contra a avalanche demolidora.

Infelizmente também contribuem para a recomposição vozes oposicionistas relevantes que desnorteiam e adormecem. O senador José Serra, em Harvard, afirmou ser “mais à esquerda que o PT, partido reacionário”. Seguindo o raciocínio, o pior do PT é não estar suficientemente à esquerda. E FHC, em Comandatuba, trotou na mesma direção: “O PT é um partido importante, gente, um partido que contribuiu em muitos momentos da vida brasileira”. Mesmo Aécio que, prensado por bases insatisfeitas, está meritoriamente subindo o tom, convocou o povo a ir às ruas com miadinho de fecho: “o Brasil merece muito mais do que esse governo medíocre”. Parece incrustada no DNA do PSDB uma maldição original, pedir desculpas ao PT por não ser suficientemente de esquerda e, a contragosto, acuado por seus eleitores, se ver compelido a fazer oposição, ainda que com luvas de pelica. O PSDB, para se tornar barreira dura contra a investida demolidora, precisa se exorcizar urgente dessa mancha congênita.

Se a recomposição petista vingar, e muita gente, consciente ou inconscientemente está trabalhando para isso, lá na frente, a demolição do Brasil poderá continuar por mais alguns anos, tendo como base êxitos eleitorais, trombeteados como sintoma da força da esquerda.

Viro a página. Em pontos decisivos o PT não bate em retirada; está agora, na aparente derrocada, ganhando o jogo, manteve o governo compartimentado, áreas enormes entregues de porteira fechada ao que o PT e aliados da extrema esquerda têm de mais virulento e ativo. À vera, não existe coligação, mas governo de compartimentos. Persistindo segmentos estanques, é fraude falar em coligação, e mero flatus vocis a reivindicação de líderes do PMDB de que não desejam cargos mas participação na formulação política. Agredir os Estados Unidos, o maior mercado do mundo, e financiar esmolambadas ditaduras comunistas, combate a pobreza? Assim também o paulatino aparelhamento do Supremo, o financiamento dos blogues sujos. São políticas sociais? A coligação só teria direito autenticamente a esse nome com a extinção dos compartimentos e a instauração de uma só e coerente política de governo. Ainda por cima vemos o aproveitamento velhaco de oportunidades para fazer avançar a agenda da esquerda.

Na educação, exemplo recente. Cid Gomes, político de carreira, boquirroto incontenível, passou pelo PMDB, PSDB, PPS, PSB e atualmente estaciona no PROS. Foi uma espécie de sombra do irmão Ciro Gomes, que começou na direita universitária, foi para o PDS (sucessor da ARENA), depois PMDB, PSDB, PPS, PSB; de momento, também parqueado no PROS, é secretário da Saúde da administração cumpanhera do Ceará. Cid Gomes perdeu o cargo por ofensas gratuitas aos deputados. Quem o substituiu no importante ministério da Educação? Renato Janine, intelectual revolucionário, com potencial de estrago sem comparação maior que o de Cid Gomes. Terceirização? O petismo carnívoro ganhou na troca.

Adiante. Frei Betto, na declaração de apoio a Dilma, afirmou o seguinte: “Darei meu voto à Dilma para preservar a política externa do Brasil, soberana e independente”. Foi a primeira razão, depois despejou uma carrada de motivos. O frade dominicano conhece fundo os interesses da revolução socialista. Vou pôr em português claro: “Darei meu voto a Dilma porque ela agride interesses vitais dos Estados Unidos, bafeja ditaduras socialistas.” Na linguagem rançosa bolchevista, os Estados Unidos são o “inimigo principal”, vale tudo para prejudicá-lo. Isso deixa frei Betto eufórico. Com sua ação, o Brasil contribui para a sobrevida do comunismo em Cuba, estimula a situação revolucionária na Argentina, Equador, Bolívia, Equador e em tantos outros países. Beneficia a expansão imperialista do autocrata Putin, ajuda a revolução iraniana. São de fato objetivos da coligação de governo ou metas internacionalistas da agenda petista? A política externa é compartimento fechado; o ministro Mauro Vieira um tanto de vezes serve de biombo para a ação revolucionária do radical Marco Aurélio Garcia, porta-voz frequente do que o PT tem de mais tóxico. Terceirização?

Kátia Abreu no Ministério da Agricultura também serve de biombo. O que é biombo no caso? Uma defensora da propriedade rural no ministério, ainda que cerceada, aquieta, anestesia, leva muita gente a não ter o horror merecido à reforma agrária, à entrega de terras aos supostos quilombolas, à demarcação arbitrária e abusiva de terras indígenas. E ainda torna mais fácil a agressão contra produtores rurais pelas milícias expropriadoras encasteladas no MDA e no INCRA.

Para o Supremo, Dilma Roussef escolheu o prof. Luiz Fachin, entre as várias candidaturas aventadas, a que mais exala o bodum petista. Em 2010, ao declarar voto em Dilma Roussef, na companhia dos hoje ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, Fachin se jactou ser dos juristas que “tomaram lado”. Homem que tem lado, está na bica de vestir a toga de juiz do Supremo. Coligação ou governo monocrático.


Em 1917, nos estertores do czarismo, o maior perigo para o futuro da Rússia não estava em Lênin. Morava na atitude otimista e desleixada de políticos burgueses como Kerensky, adormeciam a reatividade; irresponsavelmente abriram caminho para a servidão do povo a um partido de doutrina totalitária e coletivista. O riso antecedeu a algema. Pode ser igual no Brasil, depende de cada um de nós.

terça-feira, 31 de março de 2015

O governo Dilma acabou

O governo Dilma acabou

Péricles Capanema

Tem muita gente achando, melhor Dilma renunciar logo, simplifica para todo mundo. Um deles chamou minha atenção, nunca esperava.

Um bate e volta rapidinho. Certo tipo de líderes magnetizam o público. Gandhi, de Gaulle, Kennedy, tão diferentes, foram magnetizadores. Daniel Cohn-Bendit, em seu tempo, outro; simbolizou o maio francês. No Brasil, Vladimir Palmeira foi o principal expoente das agitações de 1968. Impressionou até a Nelson Rodrigues, crítico delas: “Não sei, ninguém pode saber, qual será o destino desse rapaz. Mas sei que é esta coisa cada vez mais rara – um homem”. Vladimir partiu para o exílio, retornou, virou dirigente petista, acabou moído pela máquina partidária. Em 2011, Delúbio Soares voltou festejado ao PT, Vladimir caiu fora denunciando a conivência com a corrupção. Preservou a condição de liderança carismática, ainda que en veilleuse e esmaecida pela pátina do tempo. Tomei um susto: “Sou contra o governo Dilma, que deveria renunciar, mas quem vai às ruas no domingo [15 de março] vai defender teses de direita, com as quais não concordo.” Por que Vladimir reivindica Dilma fora do Planalto? Vai saber. Uma coisa, sei: para o antigo líder estudantil, no leme ela prejudica mais a esquerda que se for embora já.

Dilma no governo é desgoverno certo; por baixo, mais três anos e tanto de bagunça na gestão, carestia, desemprego, roubalheira solta, crescimento magrelinho, se tanto. E a exasperação do público, já amazônica, pode fácil bater em confins de momento improváveis. Saiu faz pouco uma pesquisa coordenada por gente da Universidade Vanderbilt dos Estados Unidos, trabalho sério (LAPOP, sigla em inglês do estudo). Constata que de 2012 a 2014 o número de brasileiros adultos favoráveis a um golpe militar para acabar com a ladroagem subiu de 36,3% para 48,7%. E a porcentagem de brasileiros que participaram de atos de protesto subiu de 4,68% em 2012 para 7,64% em 2014. Em 2015, como estará? A irritação cresceu. Sabem quem fez no Brasil a pesquisa para o pessoal da Vanderbilt? O Vox Populi, tido como linha auxiliar do PT nas últimas eleições presidenciais; no caso, se errou, foi pra menos. Brota a desconfiança de que a tinta é mais carregada. Essa metade da população adulta, desesperada com o afogamento do Brasil, vê a intervenção militar como última tábua de salvação contra os ratos magros. E nem trato aqui dos que querem ver a presidente impichada, porcentagem bem mais em cima.

A exasperação demorada, de si, catalisa o movimento de opinião antipetista ainda em parte estacionado na louvável defesa da cidadania, ética na política e transparência. Com o rolar do tempo, em cenário bem possível, tal opinião, nutrida a contrapelo pelo descalabro dos governos da cumpanherada, tenderá a criar raízes mais fundas, caminhará para se cristalizar em oposição doutrinária ampla; de outro jeito, se transmudará em corrente de pensamento inimiga do totalitarismo, do coletivismo, do estatismo, favorecendo responsabilidade pessoal, privatizações, prevalência da sociedade sobre o Estado, e tanta coisa mais. É um risco tremendo para a revolução socialista no Brasil, meta obstinada do que o PT tem de mais ativo e virulento.

Proportione servata, já aconteceu situação similar, veio depois da Revolução Francesa. Por anos, a selvageria carniceira e a demolição social (parecia, o inferno tinha aberto a bocarra) traumatizaram setores enormes do público gaulês, antes superficiais e otimistas, que em reação de autodefesa acabaram migrando para posições conservadoras, direitistas, tradicionalistas e até contrarrevolucionárias, enraizando-se ali, formando mesmo blocos sociais de resistência. Posições e pensamento. O distanciamento da esquerda marcou fundo o século 19, ecoou no 20; até mesmo o triunfo dos setores ultramontanos no Concílio Vaticano I pode ser validamente ligado a ele. Compensou para a revolução agredir boçalmente na França os costumes, mentalidade e opinião da gente direita para tentar impor na marra seu programa?

Temos fresquinho sintoma de que o sentimento antipetista está enraizando. Dirigentes importantes do partido, Lula, Tarso Genro, tantos outros, estão propondo a criação da Frente Ampla, envolvendo partidos, sindicatos, ONGs e movimentos sociais, inspirados em parte no exemplo uruguaio. Com isso, tiram do PT o protagonismo evidente, disfarçam do eleitor, colado o nome fantasia, a sigla odiada. Com o passa-moleque, esperam oxigenar as agora mirradas possibilidades de vencer no voto.


Vozeia o hierofante das agitações de 1968: Dilma precisa ir embora, renunciar já. A esquerda com vergonha na cara, constrangida, baixa os olhos. Você, o que acha?